O labirinto das emendas

Opinião

Pedro Petrucci

Pedro Petrucci

Jornalista

O labirinto das emendas

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O prefeito Fernando Marroni admitiu, na Rádio Pelotense, aquilo que já circulava em voz baixa nos bastidores. O governo não conseguirá executar todas as emendas impositivas de 2025. São cerca de 500 indicações, infladas pelo salto de R$ 7 milhões para R$ 47 milhões no orçamento dos vereadores. Marroni diz que tudo será analisado tecnicamente, mas reconhece que a conta não fecha: seria necessário empenhar duas emendas por dia em um ano.

A fala pública tenta estabilizar um ambiente que está longe de ser estável. A máquina administrativa não foi desenhada para esse volume, e a pressão desaba de forma concentrada sobre a secretária de Saúde, Ângela Moreira. Como 50% das emendas, obrigatoriamente, vão para a pasta, ela é quem recebe a cobrança direta, diária e, muitas vezes, politicamente carregada. A saúde virou o palco onde a capacidade de execução do governo aparece com nitidez e, por isso mesmo, onde os vereadores investem mais energia para mostrar serviço nos seus redutos.

Nos bastidores, porém, o peso não está só no volume. As emendas que não são da saúde, embora menores em valor, acabam funcionando como um mapa da correlação de forças entre governo e Câmara. Servem muitas vezes como instrumento de barganha, de aproximação, de alívio de tensões ou, em alguns casos, de demonstração de força.

A frase de Marroni, “executar todas não será possível”, é um aviso. A ordem de execução já é um ponto de tensão, especialmente entre vereadores que esperam priorização de obras menores, reformas de unidades, compras de equipamentos e compromissos assumidos nos bairros. A disputa é sobre o que será empenhado antes.

Pelotas entrou em 2025 com uma mudança de governo municipal, mas especialmente com um orçamento de emendas que dá poder inédito ao Legislativo e cria um desafio administrativo para o governo. A saúde, por obrigação e por expectativa, concentra o calor. As demais áreas viram terreno de estratégia. É um cenário em que orçamento e alinhamentos não caminham necessariamente juntos. E justamente por isso as emendas se tornam um retrato fiel do tabuleiro municipal.

Atenção política

Falando em emendas, a liminar de Dias Toffoli derrubando o modelo de emendas impositivas no Mato Grosso não tem efeito imediato sobre Pelotas ou sobre o Rio Grande do Sul. Mas, no Brasil, as decisões do Supremo nunca ficam isoladas. Elas acendem alertas e mudam o comportamento dos atores políticos. E é esse movimento que começa a reverberar da Câmara dos Deputados até as câmaras municipais, passando pela Assembleia Legislativa.

Ao suspender a execução obrigatória das emendas de bancada, Toffoli manda um recado claro: o legislativo não assume função de executor de orçamento. Pode propor, pode influenciar, pode destinar recursos, mas não pode transformar a emenda em imposição automática. Isso não altera imediatamente o funcionamento da Câmara de Vereadores de Pelotas, que não opera no modelo suspenso, mas faz a cidade olhar com mais cuidado para a política das emendas que se consolidou como mecanismo de presença eleitoral. Se o Supremo está desconfiado no Mato Grosso, é natural que outros arranjos Brasil afora sejam reavaliados, inclusive os nossos.

Na Câmara dos Deputados, o efeito é simbólico. O Congresso foi quem transformou a emenda impositiva em ferramenta de poder. Se o Supremo questiona quando estados tentam copiar o modelo, está lembrando que o desenho federal não autoriza clonagens. Isso produz um ambiente de cautela: deputados passam a medir melhor o peso político da emenda, o timing de anúncio e a relação com prefeitos e governadores.

Para Pelotas, a decisão de Toffoli não mexe no orçamento municipal, mas acende uma luz sobre o futuro das relações políticas. O que vale hoje pode não valer amanhã. A emenda, que virou ferramenta certeira de visibilidade, pode enfrentar novas interpretações. Uma cidade que depende do ciclo das emendas, federais, estaduais e municipais, precisa acompanhar cada movimento. Não é impacto imediato, é reverberação.

Outro tipo de emenda

A coalizão do governo Marroni com a ala de Michel Promove no PP está perto do fim e os sinais de desgaste já aparecem na Secretaria de Desenvolvimento Rural. Anderson Schmidt, indicado pelo vereador como parte da fatura pelo apoio no segundo turno, virou peça central em uma disputa que mistura orçamento, reposicionamento político e disputa de espaço dentro da base. A crise se concentra na discussão da LDO de 2026. Nos bastidores da Câmara, um grupo de vereadores tenta ampliar o orçamento da Secretaria de Desenvolvimento Rural tirando recursos da Secretaria de Planejamento, comandada por Salvador Martins, líder do governo. Não seria um debate técnico sobre prioridades, mas sim uma mensagem política. Planejamento virou território associado a Salvador e mexer ali é uma forma de demonstrar insatisfação e testar limites.

Há ainda um elemento que dá outra dimensão ao conflito: Michel Promove é hoje um dos nomes cotados para assumir a presidência da Câmara em um cenário de oposição ao governo. A disputa orçamentária, portanto, é sobre quem chegará mais forte ao próximo ciclo legislativo. A secretaria rural vira vitrine, a LDO vira pretexto e o orçamento, moeda silenciada dessa disputa.

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