Em meio à rotina acelerada, ao excesso de estímulos e às relações cada vez mais digitais, a gentileza tem se tornado um ato quase revolucionário. O Dia Mundial da Gentileza, celebrado hoje, convida à reflexão sobre o poder de gestos simples – ouvir, agradecer, respeitar – e o impacto que eles exercem sobre o bem-estar emocional e coletivo.
Para a psicóloga Mariana Alves, a lógica da produtividade e o ritmo intenso da vida moderna reduzem a capacidade de conexão genuína entre as pessoas. “A gentileza exige presença, escuta e atenção – três elementos escassos no cotidiano atual”, observa. Já a professora de Psicologia da Universidade Católica de Pelotas, Rosane Feijó, alerta que o uso excessivo das redes sociais também afeta a empatia. “O ambiente digital tende a ser impessoal e agressivo, o que enfraquece os vínculos humanos”, destaca.
As especialistas apontam que o estresse, as frustrações e a falta de autoconhecimento são fatores que alimentam comportamentos agressivos. “Muitas vezes, a agressividade é uma forma de defesa diante da insegurança ou impotência”, explica Rosane.
Mariana complementa que aspectos culturais também influenciam no contexto social. “A competitividade e a valorização do ‘ter’ em detrimento do ‘ser’ dificultam a empatia e o cuidado com o outro”, revela.
O egocentrismo e o medo de demonstrar vulnerabilidade estão entre os principais obstáculos à gentileza. “Vivemos em uma cultura que valoriza mais o sucesso e a produtividade do que as relações humanas”, analisa Rosane. “A dificuldade em lidar com as próprias emoções também bloqueia a conexão com o outro”, completa Mariana.
Efeitos e consequências
A ausência de gentileza, segundo as profissionais, cria ambientes hostis e solitários. “No trabalho, pode gerar burnout; na família, distanciamento; e na vida social, desconfiança”, explica Rosane. Já os atos gentis fortalecem vínculos e restauram a esperança. “A gentileza funciona como uma ponte afetiva que rompe o isolamento e abre espaço para o acolhimento”, ressalta Mariana.
Cultivando a gentileza
As psicólogas defendem que cultivar a gentileza é um exercício diário. “Ela começa por desacelerar e olhar para si e para o outro com mais consciência. Ouvir, agradecer e reconhecer o esforço alheio já transformam o clima das relações”, diz Mariana.
Rosane complementa: “Quem está em equilíbrio emocional tem mais facilidade de ser gentil”.
Para quem trabalha com o público todos os dias, a gentileza não é teoria – é prática diária. No Centro de Pelotas, o atendente Wagner Mendes, proprietário de uma banca de frutas, resume bem o valor desses gestos no cotidiano. “Sempre procuramos atender bem o cliente. Se ele chega cedo, a gente dá um bom dia, um sorriso. Às vezes a pessoa sai de casa com problema, e só isso já muda o humor dela. Todo mundo tem seus dias difíceis, então ser gentil é uma forma de abrir caminho”, conta.

Em sua banca de frutas, Wagner diz que o bom trato é diferencial. (Foto: Jô Folha)
Wagner diz que essa postura não apenas melhora o clima, mas também fideliza os fregueses. “Tem cliente que atravessa a cidade só pra vir comprar com a gente. Isso é por causa do atendimento, da gentileza, e claro, da qualidade também. Às vezes eles trazem até um bolo, uma geleia feita com as frutas que compraram aqui. É um carinho que a gente recebe umas duas, três vezes por semana”, diz, sorrindo.
No Mercado Central, o porteiro Clisman Barros da Silva acredita que a gentileza é o segredo para manter o bom convívio com moradores e turistas. “Eu procuro sempre cumprimentar todo mundo, falar com todo mundo. Bom dia, boa tarde. Acho que isso é essencial, porque muda o dia da pessoa. Às vezes ela está triste, com a cara fechada, mas quando tu fala, ela acaba se abrindo”, relata ele.
Também conta que costuma tomar iniciativa nas interações, visto que poucos a fazem primeiro. “De virem e me cumprimentarem sem eu falar, é mais difícil, são poucas pessoas. Mas eu sempre tento manter o hábito, porque é de mim isso. Faz bem pra mim e, às vezes, muda o dia do outro também”, completa.
