Referência em gestão educacional no Estado, o médico e gestor José Carlos Pereira Bachettini Júnior é o reitor mais longevo da história da Universidade Católica de Pelotas (UCPel). À frente da instituição desde 2012, atua na administração universitária, tendo iniciado sua trajetória na vice-reitoria em 2008.
Médicocirurgião geral formado pela própria UCPel, Bachettini já foi chefe da UTI Geral do Hospital São Francisco de Paula e vice-presidente da Unimed Pelotas. Atualmente, ele também integra o Conselho Construtivo da Federação de Entidades Empresariais do RS (Federasul) e o Comitê Técnico Disciplinar da Federação Unimed do RS.
Como um cirurgião de tórax acabou se tornando gestor de uma universidade?
Isso começa ainda na minha formação médica. Eu estava em uma cirurgia e meu professor perguntou quantos pontos eu dava com o fio cirúrgico que usava. Eu não sabia. Ele perguntou quanto custava aquele fio. Também não sabia. E quanto o sistema de saúde pagaria pela cirurgia. Outra vez, eu não sabia. Aquela sucessão de “nãos” me fez perceber que eu não compreendia o impacto econômico do que fazia. A partir dali, comecei a ler sobre gestão e fiz um MBA em Administração. Isso me ajudou muito na vida médica e, depois, na gestão hospitalar e universitária.
Como foi essa transição para a Universidade Católica de Pelotas?
Eu já tinha experiência de gestão na Unimed Pelotas e no Hospital São Francisco de Paula, onde ajudamos a criar a UTI de adultos e o primeiro plano estratégico hospitalar da região. Esse trabalho levou a Universidade Católica a me convidar para desenvolver um plano estratégico semelhante para a instituição, que vivia um momento muito delicado.
O senhor assumiu a UCPel em um momento de crise. Qual era a real situação financeira da universidade?
Quando cheguei, a Universidade tinha cerca de R$ 300 milhões em dívidas, um déficit mensal de R$ 4 milhões e uma receita que cobria apenas 30% das despesas. Ou seja, para cada 10 reais que a UCPel gastava, só arrecadava três. Era uma instituição do interior, sem os mesmos recursos de uma universidade privada de capital nacional, e com risco real de encerramento das atividades. O cenário era de colapso administrativo e financeiro.
Por onde começar diante de um cenário assim?
O primeiro passo foi fazer o diagnóstico real da situação. Não se administra o que não se conhece. Montamos uma auditoria detalhada que durou um ano inteiro. A partir daí, dividimos a dívida em três blocos: tributária, FGTS e bancária.
Negociamos cada uma separadamente, buscando prazos longos, redução de juros e previsibilidade de pagamentos. Ao mesmo tempo, implantamos uma nova lógica de gestão, que tratava cada curso como uma unidade de negócio. Isso não significa mercantilizar a educação, mas entender o custo e o resultado de cada área, para tomar decisões baseadas em dados e não em suposições. Também criamos indicadores de desempenho, revimos contratos, aplicamos uma cultura de planejamento orçamentário e iniciamos um processo de educação financeira interna, ensinando gestores e coordenadores a trabalhar dentro do orçamento. Cada decisão acadêmica precisava considerar seu impacto financeiro.
O que o senhor considera o ponto de virada?
Recuperar a credibilidade. Quando a gente começa a pagar as contas e cumprir os acordos, os parceiros voltam a confiar. Isso muda tudo. O caixa negativo vira positivo, e aí podemos voltar a investir, sempre com plano, foco e disciplina.
A Medicina da UCPel conquistou a nota máxima no MEC. Como foi essa caminhada?
Foi uma construção de mais de dez anos. Definimos o perfil do corpo docente, investimos em capacitação e tecnologia, implantamos metodologias ativas e criamos o Hospital de Simulação (H-SIM). Lá, os alunos vivenciam a prática médica com manequins tecnológicos que simulam situações reais. Quando o MEC chegou, encontrou uma estrutura de excelência, que superou as expectativas.
O senhor fala muito sobre “plano”. Qual é o segredo de um bom plano estratégico?
Execução. O papel aceita tudo, mas o difícil é tirar o plano do papel. Fazer um plano é fácil, executar é que exige coragem, foco e gente comprometida. E quem não tem plano, com certeza, vai falhar.
Esse plano da UCPel inspirou outras instituições?
Sim. Hoje, recebemos visitas de universidades do Rio Grande do Sul e até do Rio de Janeiro interessadas em entender o modelo. A crise no ensino superior é nacional, e o diferencial está em planejar e executar com consistência.
A UCPel projeta reverter o patrimônio líquido negativo até o final do exercício fiscal 2025. Como isso foi possível antes do previsto – que era 2030?
Pela cultura do orçamento. Aprendemos a respeitar receita e despesa com rigor. Nenhuma instituição – grande ou pequena – sobrevive se não trabalhar dentro das suas possibilidades. E também pela resiliência da equipe, que acreditou no projeto mesmo quando o cenário era desanimador.
A “Cidade do SUS” é um dos grandes projetos atuais da UCPel. O que ela representa?
Representa o futuro do ensino e do atendimento à saúde na região. É uma expansão do nosso Campus da Saúde, com infraestrutura voltada ao Sistema Único de Saúde, oferecendo atendimento humanizado, moderno e digno. Passam por lá cerca de 2 mil pessoas por dia, entre pacientes, alunos e profissionais. Queremos elevar o padrão do SUS local e formar profissionais com essa mesma visão de dignidade no cuidado.
Depois de tudo isso, o que o senhor considera mais marcante nessa trajetória?
Ver uma universidade que estava à beira do colapso renascer com força, credibilidade e propósito. A UCPel segue pequena em tamanho, mas com um impacto imenso na vida das pessoas. Isso, para mim, é o verdadeiro sucesso de gestão: transformar crise em aprendizado e sustentabilidade.
