Conservação e Restauração da UFPel tem reconhecimento nacional

#pelotasmerece

Conservação e Restauração da UFPel tem reconhecimento nacional

Trabalhos de restauro em diferentes obras e materiais, feito pelas equipes do curso, também produzem um robusto conhecimento científico

Por

Atualizado sábado,
21 de Junho de 2025 às 12:16

Conservação e Restauração da UFPel tem reconhecimento nacional
Equipe da área da escultura trabalha em acervo da Matriz de São José do Norte. (Foto: Ana Cláudia Dias)

O Termo de Execução Descentralizada (TED), assinado entre a Universidade Federal de Pelotas e o Instituto do Patrimônio Artístico e Histórico Nacional (Iphan), para a realização do restauro de 20 obras de arte tombadas do Palácio do Planalto, em Brasília, deu a dimensão da competência do trabalho que tem sido desenvolvido pelas equipes (professores/alunos/técnicos) do curso de Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis da UFPel. O reconhecimento vem na esteira de outras restaurações e da produção científica robusta que tem sido apresentada a cada novo desafio.

Esta ação específica em Brasília foi realizada por uma equipe multidisciplinar do curso. Os itens foram vandalizados nos ataques antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023, nas sedes dos Três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário). “A gente começa a abranger primeiro a região e depois para o Estado. Mas a restauração das obras em Brasília, sem dúvida, colocou o curso num patamar diferenciado em termos de visibilidade, inclusive para a área de conservação e restauração”, comenta a professora Karen Caldas, doutora e mestra em Memória Social e Patrimônio Cultural. A própria docente, uma das coordenadoras do restauro em Brasília, é egressa da primeira turma.

E em termos de egressos, coordenação e professores do curso têm muito do que se orgulhar, muitos de seus ex-alunos se tornaram profissionais respeitados em diferentes áreas do restauro. Recentemente voltou a Pelotas, por exemplo, Juliana Rodrighiero, que atualmente é professora do curso de Conservação e Restauração. Juliana atuou na recuperação das pinturas murais da Catedral de Notre-Dame em Paris, na França.

Para a coordenadora do bacharelado, professora Annelise Costa Montone, doutora em Memória Social e Patrimônio, desde que foi feito o Laboratório Aberto, coordenado pela professora Andréa Bacchetini, no Museu do Doce, o curso vem ganhando reconhecimento. “Os projetos de visibilidade no Rio Grande do Sul começaram antes, acho que isso levou a gente a fazer esse em Brasília”, disse.

No início de 2022, a obra Alegoria, Sentimento e Espírito da Revolução Farroupilha foi apresentada em exposição, depois de restaurada. A recuperação da tela foi um projeto do Laboratório Aberto, no qual o público podia acompanhar o processo de restauração in loco, dando uma visibilidade muito grande para o curso.

Estreia fora da cidade

O primeiro trabalho de cooperação técnica, fora de Pelotas, foi o restauro da tela Senhoras tomando chá, da prefeitura de Rio Grande, finalizada em fevereiro de 2020. Durante esse restauro a equipe descobriu a autoria da obra, assinada pelo francês Henry Caro-Delvaille. A pintura tinha sido criada para a Exposição de Paris 1901. “Tudo isso a gente descobriu com a pesquisa em cima dessa obra. Tivemos uma parceria muito bacana com o professor Rafael Scholl, do IFSul”, lembra a professora doutora Andréa Bachettini, responsável pelas disciplinas de pintura.

Na época o quadro que chegou ao curso estava com a assinatura incompleta. “Tínhamos vestígios da assinatura, ela tinha sido comida por cupins. A gente tinha um H, um C e dois Ls”, conta Andréa. Por sua vez, o professor Scholl que estava em visita ao Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, e preparava junto com a equipe uma apresentação da obra, viu semelhança com uma outra pintura de Delvaille. “Começamos a encaixar a assinatura do quadro (no computador) e como um quebra-cabeças encaixou perfeitamente”, conta Andréa.

As pesquisas em torno da pintura levaram a equipe ao encontro da especialista na obra desta artista francês, a professora Cristiane Rossy, da Universidade da Sorbonne. Essa história e outros detalhes sobre essa tela serão contados em um livro que está sendo produzido e que terá um capítulo da pesquisadora.

Trajetória de 17 anos

O curso foi criado em 2008 dentro do Reúne, sendo o único do País realizado no turno da noite. Atualmente está sediado no prédio da Almirante Barroso, conhecido anteriormente como Diocesano. Antes disso esteve no anexo da Escola de Belas Artes, na rua Marechal Floriano esquina Barão de Santa Tecla. “Fomos crescendo e a gente não cabia mais naquele espaço, aí conseguimos um prédio que era alugado pela Universidade, na Lobo da Costa (próxima a avenida Brasil). Lá começamos a desenvolver esses trabalhos”, relembra a professora Andréa.

O primeiro trabalho de extensão do curso foi para o Museu da Baronesa, em 2009, quando foram restauradas as pinturas e o mobiliário. Além de retornar à comunidade uma obra histórica, as equipes da Conservação e Restauração produzem um importante material científico. “A gente gera muito conhecimento, quando a obra que às vezes chega aqui sem nenhuma informação, com os próprios exames que fazemos para a restauração, vamos descobrindo coisas interessantes”, conta a professora de Pintura.

O bacharelado tem parceria com outros cursos, como com a Química e a área de Ciência do Patrimônio, que coleta as amostras de pigmento, faz raio x, entre outras ações que agregam conhecimento científico. “O curso engloba essa multidisciplinaridade, de várias áreas que se juntam aqui e é uma parceria muito boa do pessoal das ciências duras, como a gente chama, com o pessoal das artes. Eu sou muito feliz de trabalhar aqui e com tudo que aconteceu nessa jornada. A gente começou o curso do zero”, comenta a professora Andréa que está no curso desde o início.

Atualmente a equipe é formada por dez professores permanentes e alguns substitutos, mas a ideia é crescer mais, inclusive para atingir outras áreas do patrimônio. O curso oferece aos bacharelandos habilidades em conservação e restauração em escultura em madeira, pintura e papel, mais especificamente. Também são oferecidas disciplinas optativas que abordam os bens integrados do patrimônio, por exemplo, como as pinturas murais das edificações da cidade.

Frutos da exposição

“O reconhecimento do Iphan foi fundamental. A escolha de ser uma universidade para fazer esse trabalho foi muito pensada para reverberar para a sociedade”, comenta Andréa. Por este motivo foi realizado também um trabalho de educação patrimonial.

A restauração das obras do Palácio do Planalto ainda proporcionou a realização da exposição fotográfica 8 de janeiro: restauração e democracia. Com imagens da professora e coordenadora-adjunta do projeto Karen Velleda Caldas, do fotógrafo Nauro Júnior e de Mariana Alves (Iphan). Também foi lançado um livro, com coordenação editorial da jornalista Gabriela Osório Mazza (Satolep Press) e o curso de Cinema e Audiovisual da UFPel produziu o documentário 8 de Janeiro: Memória, Restauração e Democracia, com direção do professor Michael Kerr. “Não é só a restauração em si, mas tudo que está envolvido para perpetuar esse conhecimento e passar adiante para a comunidade entender o que é a representação daquelas obras, porque elas são importantes”, diz Andréa.

O reconhecimento que veio junto com o projeto em Brasília tem gerado mais frutos para o bacharelado. Por exemplo, está saindo um outro TED com o Ministério da Educação para o restauro de uma pintura mural da artista Silvia Reis. Esse trabalho será feito também na Capital Federal, sob coordenação da professora Karen Caldas.

As equipes ainda estão divididas em outros projetos como o das 35 pinturas do Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Margs) e mais de 120 obras em papel, que passaram pelo estresse da enchente do ano passado. Alguns desses bens culturais ficaram dias submersos.

Recentemente também foi iniciado o restauro das plantas originais do Palácio Piratini. Ainda: uma pintura, tecidos e porcelanas receberão a atenção da equipe de restauradores. “Nessa parceria estamos restaurando obras do Palácio que foram distribuídas para outros espaços”, conta a professora.

A maior delas é a tela intitulada Proclamação da República de Piratini, de Antonio Parreiras. A obra foi encomendada pelo então governador, Borges de Medeiros, em 1911, estava no 4º Regimento de Polícia Montada, em Porto Alegre. “Tudo é aprendizado para os alunos, esse trabalho vai gerar um TCC (Trabalho de Conclusão de Curso)”, diz Andréa.

Atualmente um grupo de alunos está trabalhando em 17 das 35 pinturas do Margs, o que vai gerar seis TCCs e no semestre que vem a turma de Pintura I vai trabalhar no outro lote. “É fundamental que venha junto essa produção científica”, avalia a professora.

A parceria entre a UFPel e o governo do Estado, por meio do Palácio Piratini, começou em 2022, para as comemorações ao centenário da sede histórica. No primeiro projeto foram restauradas 17 pinturas de cavalete pertencentes ao acervo do Piratini.

Referência para a região

Doutora em Memória Social e Patrimônio Cultural, a professora Daniele Baltz da Fonseca é responsável pelas disciplinas que envolvem esculturas. Sob sua coordenação, no ano passado foram recuperadas dez obras, a maioria imagens de santos, do século 18, oriundas das Missões Jesuíticas, que compunham um precioso acervo que se integra à história do Rio Grande do Sul. A ação surgiu de parceria com o Museu Antropológico Diretor Pestana, da Universidade Regional do Noroeste do Estado do RS (Unijuí).

Este ano os alunos de Daniele estão trabalhando com um acervo da Matriz de São José do Norte. “Verificamos que é um acervo bem antigo e significativo da história da ocupação dessa parte do Estado”, comenta Daniele. Estas obras datam de quase 200 anos, algumas suspeita-se que tenham um pouco mais de dois séculos.

Junto com a restauração está sendo feito uma pesquisa sobre a documentação deste material. Entre as parcerias para a execução deste trabalho, a professora conta com pessoal da Engenharia Madeireira e com o curso de Biologia, para que sejam identificadas as madeiras das quais são feitas as esculturas, confirmando a interdisciplinaridade.

Entre as imagens de santos que estão sendo restauradas está a da Nossa Senhora dos Navegantes, utilizada na procissão de 2 de fevereiro. Também estão no laboratório imagens da Igreja Imaculada Conceição, de Jaguarão. “Para a região o curso tem se tornado uma referência e a gente precisa desses projetos. Tem dentro das disciplinas práticas os alunos precisam trabalhar com acervos de verdade, se não a gente está sempre trabalhando com coisas que não tem a questão social por trás, o que influencia muito.”

Daniele chama a atenção para a relação das pessoas com os objetos, o que muitas vezes é isso que se está restaurando. Nesses casos as intervenções têm de ser pontuais e sutis para não interferirem com a memória social daquela peça, como é o caso dos materiais sacros. “Hoje o laboratório é de restauração de obras em madeira, mas vamos ampliar para obras de gesso. Porque existe um mercado grande para o aluno, também porque a gente consegue incorporar esculturas de outras religiões”, comenta a professora Daniele.

A bacharelanda Sofia Gomes, 21, está no quinto semestre, diz que gosta bastante da área de esculturas, mas tem predileção em trabalhar com reintegração pictórica. “A área de pintura conversa mais com esse meu gosto, apesar de na área de escultura também precisamos fazer essa reintegração pictórica”, comenta.

Para Sofia, trabalhar com obras que “conversam com a comunidade” é muito importante. “Dá um pouco de medo, porque é uma grande responsabilidade pra gente, que ainda estamos no processo de aprender. Mas isso faz com que a gente aprenda realmente como manusear, conversar com a comunidade e conciliar tudo isso”, fala Sofia.

Resgate de papéis submersos

Também Doutora em Memória Social e Patrimônio Cultural e especialista em Conservação e Restauração de Obras em Papel a professora Silvana de Fátima Bojanoski está atualmente coordenando a equipe que trabalha com as plantas originais do Palácio Piratini e com as obras em papel do Margs, que ficaram submersa nas águas do Guaíba, no ano passado.

A professora Silvana ministra as disciplinas de Conservação e Restauração em Papel I e II. “É a primeira disciplina com intervenção mais direta nos materiais que eles têm. Na conservação de papel nós temos um problema muito grande que é a acidez, o que tende a ficar muito fragilizado. Então no papel a gente trabalha muito tanto com a prevenção para que os papéis não avancem nesse processo e também na intervenção para estruturação desse papel”, conta a professora.

No ano passado, alguns alunos de Silvana participaram do resgate de obras do Margs. Com o apoio da UFPel e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, os estudantes receberam todo o suporte necessário para fazer essa ação emergencial.

Bacharelanda do quinto semestre, Ana Beatriz Moreira de Lima, 27, foi uma das pessoas que atuaram no resgate. “Foi um misto de emoções. Ao mesmo tempo que você fica empolgada de trabalhar na área, colocar em prática o que está vendo no curso, é uma situação totalmente atípica. A gente estava sem luz, mas com todos os EPIs, porque tinha risco de contaminação. Foi uma experiência muito enriquecedora”, conta.

Acompanhe
nossas
redes sociais