No hospital, o silêncio costuma ser preenchido pelo bipe persistente dos monitores cardíacos, pelo burburinho de vozes de médicos, enfermeiros e técnicos em enfermagem discutindo prontuários e pelo rastro onipresente do cheiro de antisséptico. Em dezembro, porém, esse cenário ganhou novos elementos no Hospital Escola da Universidade Federal de Pelotas (HE-UFPel), vinculado à Ebserh: patas pelo chão, olhares curiosos e sorrisos espontâneos. Com visitas semanais, a presença dos animais do projeto Pet Terapia traz leveza e afeto à Unidade da Criança e do Adolescente, especialmente em um período marcado por emoções intensas, como as festividades de fim de ano, especialmente o Natal.
A visita do cão Bob marcou o encerramento das atividades de 2025 do projeto. Dócil e tranquilo, ele percorreu os espaços da pediatria, interagiu com as crianças e ajudou a transformar a rotina da internação em um momento de brincadeira e acolhimento. A iniciativa integra o Programa Nacional de Humanização e procura minimizar os impactos emocionais da hospitalização, principalmente para pacientes que precisam passar as festas de fim de ano internados e longe de casa.
Acolhimento em tempos sensíveis
Para amenizar esse impacto com a proximidade do Natal, o projeto Pet Terapia busca transformar o ambiente hospitalar em um espaço mais lúdico e acolhedor, oferecendo momentos de afeto e descontração que ajudam a suavizar a rotina tensa da internação.
A pedagoga hospitalar e coordenadora do Grupo de Trabalho de Humanização (GTH) do HE-UFPel, Adriana Coutinho, explica que o Natal é um período especialmente sensível para quem está internado. A data desperta sentimentos ligados à família, à memória afetiva e à reflexão, tornando a permanência no hospital ainda mais delicada e difícil. Pensando nisso, o hospital aposta em ações lúdicas e humanizadas como forma de tornar a experiência menos dolorosa para pacientes, acompanhantes e equipes.
Ruptura da rotina e vínculo afetivo
A internação provoca uma quebra brusca no cotidiano do paciente. A terapeuta ocupacional Milena Hernandes destaca que o desafio é ainda maior em datas festivas, quando muitas crianças não conseguem retornar para casa. “A pet terapia contribui para reduzir a ansiedade e o estresse, além de favorecer a adesão ao tratamento, especialmente em um contexto de ruptura da rotina causada pela internação.” Segundo ela, o projeto resgata um vínculo essencial. “Muitas pessoas hoje em dia têm animais de estimação. E aí, quando são internadas, acabam perdendo o vínculo de contato com o animal. A pet terapia é um jeito de trazer esse vínculo de volta para o contato direto com o paciente”.
Além das ações voltadas às crianças internadas, o espírito natalino também se espalhou por outros espaços do Hospital Escola. No dia 4 de dezembro, a pediatria realizou a abertura oficial das ações de Natal com uma visita guiada da pet terapeuta Jade, uma cadela da raça golden retriever, que percorreu os corredores da instituição levando leveza e chamando a atenção para o início do período natalino.

Pequena Maria Alice na companhia de Bob (Foto: Nátalli Bonow)
Para a terapeuta ocupacional Liandra Dotta, as visitas dos animais geram expectativa não apenas entre os pacientes, mas também entre os profissionais de saúde que acompanham diariamente a rotina hospitalar. O contato com os cães ajuda a suavizar um ambiente naturalmente estressante e pesado, desperta memórias afetivas e contribui para a criação de uma atmosfera mais tranquila. Em muitos casos, para as crianças, o encontro representa o primeiro contato com um animal, sempre mediado pelas equipes, o que torna a experiência ainda mais significativa.
Segundo Liandra, os benefícios da pet terapia vão além do momento de interação e refletem diretamente nas intervenções clínicas realizadas no hospital. Em situações em que a criança demonstra resistência a procedimentos ou atividades terapêuticas, a presença do animal contribui para tornar o processo mais leve e colaborativo, favorecendo o vínculo terapêutico entre paciente e equipe.
O semblante que muda no leito
Os efeitos da pet terapia também são percebidos pelas famílias. Ariel Duarte, mãe da pequena Maria Alice, internada desde o início da semana para investigação de um problema renal, relata que a filha demonstrou mudança imediata de comportamento ao saber da visita dos animais. A empolgação foi tanta que a criança quis sair da cama, se alimentar e participar da atividade, evidenciando o impacto positivo da ação no bem-estar emocional dos pacientes. “Dá para ver que ela muda completamente, até o semblante. Quando passaram no quarto e falaram que ia ter visita da pet, ela ficou empolgada, querendo comer e levantar para vir ver o Bob”, relata.
Bob: do resgate à atuação no hospital
O protagonista do encerramento da Pet Terapia de 2025 foi o cão Bob que, acompanhado por sua tutora, Mayara da Silva Garcia, estudante do 7° semestre do curso de Medicina Veterinária da Universidade Federal de Pelotas, participou das ações realizadas na pediatria do Hospital Escola, levando conforto e acolhimento às crianças internadas.
Resgatado ainda jovem, o cão passou por um processo de seleção e treinamentos básicos para atuar em ambientes hospitalares, que exigem animais calmos, sociáveis e bem adaptados.
Hoje, ele integra o grupo de pet terapeutas, levando conforto a crianças que sentem falta do contato com seus próprios animais de estimação durante a internação. “O Bob passou por uma seleção com as residentes, e aí foi aprovado. Como ele é mais calminho, foi mais fácil adaptá-lo. Então os comandos ensinados para ele foram deitar, dar a pata, sentar e, claro, ganhar um petisco”, explica Mayara.
Sobre o projeto

A cadela Jade também atua no projeto (Foto: Divulgação)
Atualmente, o projeto Pet Terapia conta com 12 animais — 11 cães e um gato — preparados para atuar em instituições de saúde e ensino. As ações acontecem semanalmente no Hospital Escola, no Centro de Atendimento ao Autista e no Núcleo de Neurodesenvolvimento da Faculdade de Medicina da UFPel, além de visitas pontuais a outros espaços que solicitam a iniciativa.
Embora o projeto tenha encerrado as vagas para novos animais no momento, interessados podem entrar em contato para futuras seleções. “No momento, a gente fechou os animais, mas é possível entrar em contato para que seja feita uma seleção, caso haja necessidade no futuro”, explica a equipe.
As atividades retornam em março de 2026, e o acompanhamento das ações pode ser feito pelo perfil oficial no Instagram: @peterapia.ufpel.
Entre patas, carinhos e sorrisos, o Natal encontrou no afeto animal uma forma de aquecer corredores, aliviar rotinas e lembrar que, mesmo longe de casa, ainda há espaço para acolhimento, esperança e cuidado.
