Ernildo Stein, estudioso de Heidegger: um mestre em minha formação em Filosofia

Opinião

Luís Rubira

Luís Rubira

Professor de Filosofia

Ernildo Stein, estudioso de Heidegger: um mestre em minha formação em Filosofia

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Trinta anos atrás eu concluía minha graduação em Filosofia pela Universidade Federal de Pelotas. Na ausência de um curso de pós-graduação em Filosofia, à época, em nossa cidade, aqueles que quisessem prosseguir os estudos não tinham outra alternativa a não ser rumar para Porto Alegre ou para outros estados de nossa federação. Em decorrência disso, deixei Pelotas em fins de 1996 para fazer uma odisseia, que, como a dos gregos, duraria mais de dez anos, incluindo o longo caminho de retorno para casa.

No ano seguinte eu me encontrava em um dos andares do prédio do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Em sala repleta de estudantes que prestavam exame para ingresso na pós-graduação, e na presença dos professores Ernildo Stein e Jayme Paviani, foi-nos sugerido que dissertássemos livremente sobre um autor e tema em filosofia. Ao ser aprovado para o ingresso, Ernildo Stein aceitou ser meu orientador de mestrado, no qual eu estudaria a filosofia de Friedrich Nietzsche. Até aquele momento, confesso, eu pouco sabia de sua trajetória intelectual, e também não imaginava o quanto ele seria importante e decisivo em minha formação.

(Foto: Divulgação)

Ernildo Jacob Stein havia realizado sua graduação em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul entre 1960 e 1964. Entre estes anos de conturbação política no país, ele tivera a oportunidade de assistir na Alemanha, em 1962, uma conferência ministrada pelo filósofo Martin Heidegger intitulada “Tempo e Ser”. Concluindo sua formação no ano do golpe cívico-militar de 1964, Stein acabou por sofrer perseguição política, sendo que em janeiro do ano seguinte uma notícia estampada na capa de um jornal dava conta de que o “comandante do III Exército” havia concluído que “as atividades do movimento político-estudantil denominado Ação Popular (…) constituem crime previsto no Código Penal Comum”. Após a abertura de um Inquérito Policial Militar (IPM), ficou registrado em suas laudas que “o IPM incrimina diretamente os professores Ernani Maria Fiori (demitido pelo Ato Institucional), Ernildo Jacob Stein” e outros professores, padres e acadêmicos (Diário de Notícias, 8/1/1965, capa).

Não conheço a sucessão de eventos na vida de Stein naquele início de ano, mas sei que em breve ele deixaria o país. Ao consultar os jornais da época, pude constatar que após “retornar de um ano de estudos de filosofia na Alemanha” (Jornal do Dia, 1/4/1966, p. 3), Stein publicou o livro Introdução ao pensamento de Martin Heidegger (Porto Alegre: Ithaca, 1966), obra na qual surgia, em língua portuguesa, sua tradução da conferência “Tempo e Ser” (bem antes, portanto, da edição do texto em alemão). Após concluir seu doutorado em filosofia em 1968, sob orientação de Miguel Reale, Stein partiria novamente para a Alemanha, desta vez para realizar um pós-doutorado entre os anos de 1969 e 1972.

Depois disso, sua trajetória intelectual é conhecida: Stein viria a consolidar-se como um dos maiores estudiosos de Heidegger no cenário nacional e internacional. Quando o encontrei na PUCRS em 1997, ele estava com 63 anos de idade e em plena atividade filosófica, docente e intelectual. As disciplinas que com ele cursei tinham algo de magistral e eram, sobretudo, instigantes. Algumas vezes ele fugia do programa da disciplina para repartir conosco suas inquietações acerca de obras filosóficas que recebera de algum país estrangeiro e lera no fim de semana. Em certa ocasião, fui convidado a apresentar (diante de seu grupo de orientandos em Heidegger) determinadas seções da obra “Ser e Tempo”. Depois de ouvir minha apresentação, Stein fez uma crítica severa ao tratamento que eu havia dado a Heidegger. Lembro que naquele final de tarde saí da sala de aula e caminhei durante horas pensando em abandonar a filosofia. Talvez a frase “o que não me mata me fortalece”, de Nietzsche, salvou-me naquele período.

Tempos depois, o filósofo Ernest Tugendhat viera, a convite de Stein, ministrar uma disciplina na PUCRS. Como trabalho final da disciplina apresentei um texto a Tugendhat sobre seu livro Lições sobre Ética. Após algumas semanas, ele atribuiu-me a nota dez, dizendo que eu o ajudara a compreender o seu próprio pensamento. Foi o quanto bastou para que Stein, que era seu amigo, voltasse a apostar em mim e, tempos depois, me colocasse ante um desafio ainda maior: ele fazia questão de convidar Scarlett Marton, professora da USP e especialista na filosofia de Nietzsche, para compor minha banca de dissertação de Mestrado.

Devo, portanto, a Ernildo Stein o fato de ter conhecido Scarlett Marton. Sob a orientação de Scarlett eu seguiria meus estudos em Filosofia, e a ela dediquei, anos depois, minha tese de doutorado. A influência de Ernildo Stein, seu modo de lidar com a filosofia, sua reflexão e a seriedade no trato dos textos, acompanharam-me ao longo dos anos. Muitas vezes quando me encontrava sozinho em algum lugar eu sentia vontade de lhe agradecer pessoalmente pelo quanto devia ao período que com ele estudara. Na próxima terça-feira, dia 16/12/2025, às 14h, farei a defesa, em sessão pública, de meu Memorial para a promoção à classe de Professor Titular de Filosofia na UFPel. E é com gratidão e amizade que lembro de meu querido mestre Ernildo Stein.

Nota: As fotos aqui publicadas estão disponíveis na página oficial de Ernildo Stein no Facebook. Nelas vemos Ernildo Stein em seu apartamento no ano de 2019, em fotografia de autoria de Claudio Melim; e Martin Heidegger, junto ao poço de sua cabana na Alemanha em fins da década de 1960 ou início de 1970, em fotografia de Digne Meller-Marcovicz.

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