Uma mulher procurou a Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento (DPPA) de Pelotas neste final de semana em busca de ajuda através de uma Medida Protetiva de Urgência (MPU). Ela relata que vem sendo perseguida pelo ex-companheiro, de quem está separada há meses, mas que, pelo comportamento, não aceita o fim da relação. Além de segui-la, o suspeito ainda envia mensagens insistindo para reatar o compromisso. O caso dessa vítima é um entre os 11 boletins de ocorrência com pedido de MPU registrados entre sábado e domingo. De acordo com a Vara da Justiça e Violência Doméstica, o número de solicitações judiciais de proteção já é 6,07% maior do que o total de 2024, e o ano ainda não terminou.
O cenário surge no momento em que o Brasil se mobiliza em campanhas contra a violência de gênero, cada vez mais exposta e cruel. Um dos casos que chocaram o país foi o de Tainara Souza Santos, que teve as pernas amputadas após ser atropelada e arrastada até a Marginal Tietê, em São Paulo, no dia 30 de novembro. O motorista, Douglas Alves da Silva, 26, afirmou à Polícia Civil que não percebeu o atropelamento, versão desmentida por câmeras que registraram toda a cena e pelo depoimento do carona. Ao ser preso, o suspeito de tentativa de feminicídio tentou tomar a arma de um policial e acabou baleado.
Panorama estadual
A violência, porém, não está distante da realidade gaúcha. Em dez meses, 69 mulheres foram mortas pela condição de ser mulher. Uma dessas vítimas era de Pelotas. No mesmo período, houve seis tentativas de feminicídio. Nos crimes classificados como violência doméstica e de gênero, os números assustam: 39 estupros, 580 casos de lesão corporal: quase dois por dia, e 738 ameaças registradas em 303 dias de 2025, uma média de 2,4 ocorrências diárias.
A campanha do Governo do Estado, “Não maquie, denuncie”, busca incentivar a formalização das denúncias e reduzir a subnotificação. Mas, para a Frente Feminista 8M de Pelotas, é preciso ir além e garantir que, a partir do momento em que denuncia, a vítima seja realmente acolhida e protegida. A ativista e jornalista Niara de Oliveira alerta para obstáculos básicos, como o acesso a meios digitais para o registro online.
“A gente precisa perguntar se essa mulher tem celular, internet ou computador para fazer o boletim. E, se não tiver, ela vai ter dinheiro para o transporte até a delegacia ou até um posto de saúde para buscar ajuda. Meu questionamento é sobre o fluxo da rede de proteção e se ele realmente funciona para todas”, afirma.
Niara também destaca um ponto que muitas vítimas desconhecem. “Toda mulher que tem uma MPU vigente precisa saber que, se houver descumprimento, ela deve fazer um novo boletim imediatamente. Isso é crime. Dependendo da avaliação da Justiça, o agressor pode ser incluído no monitoramento eletrônico por tornozeleira.”
As alternativas para a proteção
Para a professora e doutora do Programa de Pós-Graduação em Política Social e Direitos Humanos (PSDH) da Universidade Católica de Pelotas (UCPel), Christiane Russomano Freire, integrante da equipe de produção de dados do Observatório Nosotras, o aumento das medidas protetivas têm múltiplas explicações. “Nós temos observado um crescimento muito expressivo nos pedidos de medidas protetivas de urgência no Rio Grande do Sul desde 2023. Em 2024 e agora em 2025, esse movimento continua. Hoje, o Estado é o segundo no país em número de concessões, atrás apenas de São Paulo. Isso revela um paradoxo.”
Ela explica que esse crescimento reflete tanto a escalada da violência quanto o fortalecimento da busca por proteção. “Os feminicídios e as tentativas aumentaram de forma preocupante no RS. Então, as medidas protetivas acabam sendo uma resposta necessária a esse cenário. Mas também podemos interpretar como um sinal de maior consciência das mulheres, que passam a procurar o sistema de Justiça com mais frequência.”
Christiane atribui parte dessa conscientização ao trabalho de mobilização social. “A grande movimentação nacional e estadual do último final de semana, com coletivos, universidades, entidades civis e órgãos públicos nas ruas, tem impacto direto. Essas ações ajudam a orientar, informar e impulsionar as denúncias.” Em Pelotas, o evento Mulheres Viva e Livres reuniu ativistas em frente a 4 Galerias, em um ato de mobilização pela causa.
A professora lembra ainda que a produção de dados tem papel fundamental. “Nós, no Observatório, levantamos informações de 22 municípios sobre cinco delitos: feminicídio consumado e tentado, estupro, ameaça e lesão corporal. A Secretaria de Segurança do Estado também mantém um observatório específico para violência contra mulheres. Isso dá visibilidade e pressão por políticas públicas.”
Outro ponto citado por Christiane é a atuação legislativa. “Há um trabalho importante sendo feito na Câmara dos Deputados pela deputada Fernanda Melchionna e pela deputada Maria do Rosário. Elas têm percorrido o Estado realizando audiências públicas e propondo ações concretas para prevenção e enfrentamento da violência.” Para ela, o aumento dos pedidos de MPU deve ser lido com atenção. “Ao mesmo tempo que revela o crescimento da violência, mostra que as mulheres estão reagindo e buscando proteção. E é fundamental que o sistema de Justiça responda com agilidade e efetividade para reduzir esses riscos.”
21 dias
Às vésperas do encerramento do “21 Dias de Ativismo” pelo fim da violência contra a Mulher, em Pelotas, a caixa lilás segue na Dom Pedro II, 813. É nela que as vítimas poderão depositar a esperança de se manterem vivas e livres. Neste endereço fica o Centro de Referência no Atendimento às Mulheres Vítimas. O espaço oferece ainda acolhimento e suporte, integrando os serviços de prevenção e proteção, disponibilizando acompanhamento psicológico, social e orientação jurídica. Já a Casa de Acolhida Luciety abriga mulheres que estão com MPUs e não possuem suporte familiar.
