A especialização necessária

Opinião

Pedro Petrucci

Pedro Petrucci

Jornalista

A especialização necessária

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Entrevistamos o secretário de Igualdade Racial de Pelotas, Júlio Domingues, e ele colocou na mesa uma ausência que costuma passar batida na agenda de segurança pública da região: Pelotas não tem uma delegacia especializada em crimes de ódio. Hoje, os casos vão para a Polícia Civil, passam pelo cartório que trata crimes de intolerância e seguem o rito até Ministério Público e Judiciário. O fluxo existe, mas não há uma estrutura dedicada, com equipe própria, voltada só para investigar violência motivada por raça, religião, gênero ou orientação sexual. É essa mudança que a secretaria passou a pleitear junto ao governo do Estado.

Para uma região como a Zona Sul, com forte presença da população negra do Estado e um histórico de desigualdades bem conhecido, a leitura de Domingues é simples: ao menos uma delegacia regional seria necessária.

O secretário também chama atenção para dois pontos que não aparecem no boletim de ocorrência: a subnotificação e a dificuldade, em parte do próprio sistema de Justiça, de enquadrar corretamente o que é racismo. Sem denúncia, o problema não aparece nas estatísticas. Sem estatística, não vira prioridade de governo. E, nesse vácuo, a vítima segue carregando sozinha um crime que é, por definição, coletivo.

Enquanto esse debate anda devagar, o governo do Estado anunciou em setembro, durante a Expointer, a criação de uma nova Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes Rurais e de Abigeato (Decrab) em Rio Grande, para atender a região Sul. O anúncio foi feito em uma audiência sobre segurança no campo e abigeato, no auditório da Farsul, com toda a cúpula da segurança pública presente. É um movimento que responde a uma demanda organizada de produtores rurais, em um setor que tem peso econômico decisivo no PIB gaúcho.

Não se trata de colocar campo contra cidade, nem minimizar o impacto do crime rural, que é real e tem custo alto. Mas é impossível ignorar que onde há organização econômica forte, a resposta do Estado costuma ser mais rápida e mais visível. Crimes contra a produção agropecuária contam com entidades representativas, audiências na Expointer e pressão institucional. Já os crimes de ódio, em boa parte das vezes, dependem da coragem individual da vítima e de redes de apoio ainda frágeis.

Se o Estado já entendeu que o furto de gado e de insumos agrícolas exige uma delegacia específica, não parece exagero perguntar quando a violência contra corpos negros e outras minorias vai merecer a mesma centralidade no mapa da segurança pública da região.

Comprar em casa

Importante ouvir o que disse Vitor Magalhães, secretário de Desenvolvimento de Rio Grande, na Rádio Pelotense, sobre algo que costuma passar silencioso na rotina da cidade: quem, afinal, vende para a Prefeitura? E por que quase nunca é o comerciante da esquina.

Ele trouxe um número que deveria soar como alerta: de cerca de R$ 400 milhões investidos em insumos, apenas 9% ficam em Rio Grande. O resto vai embora com empresas de fora, muitas vezes porque são as únicas que conseguem falar a língua das licitações públicas. Não é que falte comércio local capaz de fornecer canetas, papel higiênico, material de limpeza ou equipamentos e serviços. Falta, em grande medida, conhecimento sobre como acessar esse mercado.

Quando se fala em inovação, muita gente pensa em tecnologia de ponta, startups e grandes parques industriais. Claro que isso tudo é importante e Rio Grande está se desenvolvendo neste cenário. Mas inovar também é encontrar caminhos para que a economia que já existe na cidade seja melhor aproveitada. Uma papelaria que aprende a participar de um edital e passa a fornecer canetas para a rede municipal não está apenas vendendo um produto. Está ajudando a manter parte dos R$ 400 milhões circulando na própria Rio Grande, ajudando no desenvolvimento regional.

Se der certo, muda a relação entre a Prefeitura e o comércio da cidade. Que sirva de exemplo.

Acerto silencioso

Pedro Osório completa sete anos de transporte coletivo gratuito no domingo. É fundamental registrar quando uma política pública simplesmente funciona. Lá atrás, foi a primeira cidade do Rio Grande do Sul a romper com o dogma da tarifa, uma decisão ousada para um município pequeno, mas que virou referência e até rendeu prêmio da Famurs em 2022.

Além da facilidade de deslocamento, a gratuidade abriu acesso, aproximou serviços públicos e garantiu inclusão real para quem antes precisava calcular cada ida e volta. O interessante é que, mesmo com todas as dificuldades financeiras que os municípios enfrentam, Pedro Osório manteve a política sem alarde, como quem sabe que acerto não precisa de pirotecnia.

Há cidades maiores estudando replicar o modelo. No fim das contas, mobilidade não é só engenharia, é garantia de circulação de gente. E isso Pedro Osório entendeu cedo.

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