O ambíguo de Depois da Caçada

Opinião

Renato Cabral

Renato Cabral

Crítico de cinema e membro da Abraccine www.calvero.org

O ambíguo de Depois da Caçada

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Depois da Caçada (After the Hunt, 2025) começa ao som de um metrônomo. Uma demarcação escancarada do tempo e, com certo exagero analítico, quase como uma bomba-relógio. Entre tantos elementos e acontecimentos sociais recentes que Luca Guadagnino referencia em seu quarto filme em apenas três anos, uma possível crítica ao cancelamento em um mundo pós-Movimento Me Too é apenas uma das camadas de algo repleto de sobreposições e suposições que beiram à superficialidade com exatamente essa intenção.

Entre a hipocrisia e a ambiguidade, passando pelo desejo de pertencimento, Guadagnino provoca já nos créditos iniciais com o uso da reconhecível tipografia dos filmes de Woody Allen e, assim, sugere o que encontraremos tanto como narrativa quanto temática. Partindo do roteiro de Nora Garrett, o diretor conta a história de Alma (Julia Roberts, em performance excepcional), uma professora universitária que parece ter tudo nos eixos. É casada com um renomado psicólogo, leciona em uma das universidades mais prestigiadas dos Estados Unidos, mantém uma bela amizade com um professor assistente e é vista como uma espécie de ídolo por sua aluna e pupila. Porém, tudo vira do avesso quando ela recebe a notícia de que seu melhor amigo abusou de sua melhor aluna. Uma espiral de incertezas e autopreservação coloca Alma em cima do muro — e o caldo entorna quando ela se vê moralmente arrastada para o centro do conflito.

Uma personagem de um feminino pós-moderno à la Tár (2022), de Todd Field, Alma representa a elite intelectual que veste roupas de grife enquanto analisa o mundo de um lugar superior — repleta de incertezas e observando o desenrolar de outras gerações e suas pautas, que surgem sem adicionar complexidades. Estão lá a falta de profundidade da geração Z, as questões de gênero e os cancelamentos. Mas todos acabam, de alguma forma, tomados por discursos que, infelizmente, não levam a lugar algum. E é nesse espaço sem fim e aparentemente superficial que encontramos a densidade do filme — que assume, afinal, que tudo é uma questão de performance e nem todos estão absolutamente certos, principalmente na elite intelectual e econômica. Gênero, representatividade, intelecto, política, poder, capital social — tudo é, de algum modo, performado e, muitas vezes, pouco vivido por eles. É como uma casa de cartas que, a qualquer momento, pode — e será — derrubada. O que ficar de pé, só o tempo dirá.

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