Guiada pelos valores disseminados no catolicismo, solidariedade e empatia, a Irmã Assunta Maria Tacca, tem transformado vidas e inspirado dezenas de pessoas de diferentes gerações. Dos 101 anos, quase 80 deles foram dedicados a contribuir com o bem-estar e a educação de famílias carentes de Pelotas e de outras regiões do país.
A magnitude dessa história de fé, resiliência e resistência está imortalizada no livro A saúde do povo como missão – Irmã Assunta Tacca e a saúde popular comunitária, da antropóloga e professora Rojane Brum Nunes, que será lançado neste sábado (11), na Casa do Caminho, a partir das 14h.
Apesar do peso da idade que lhe custa a mobilidade e confere um tom de voz mais baixo, a Irmã se mantém forte. Nem o andador e a impossibilidade de se agachar para pôr a mão na terra, plantar e colher, como ensinou a muitos, tiraram dela o entusiasmo pelo trabalho nas comunidades.
Para daqui a pouco estão nas metas da Irmã a finalização de um novo livro, inteiramente dedicado à medicina popular e mais um curso sobre o mesmo tema. Os projetos demonstram o desejo de manter vivo o vasto conhecimento adquirido desde a infância, ao lado dos pais agricultores Domingos Tacca e Alzira Moreira Tacca, em Ivoré (antigo interior de Júlio de Castilhos), e aprimorado com a ajuda dos povos indígenas, do norte do país, onde passou cerca de dez anos, entre as décadas de 1970 e 1980, como missioneira.
O notório saber foi reconhecido pela Universidade Federal de Pelotas, que vai outorgar o título de Doutora Honoris Causa à Irmã. A data do evento ainda não foi marcada, mas deve ocorrer entre o final deste ano e o início do próximo.
Da infância ao noviciado
O livro da antropóloga Rojane Brum Nunes faz uma homenagem à trajetória de vida da freira. A biografia revisitada pela autora começa com a infância e juventude de Marcolina Tacca, seu nome de batismo. Ela era a oitava dos nove filhos do casal de agricultores. Em casa, a fé era a base da vida familiar. A autora resgata o aprendizado de Marcolina com sua mãe, Alzira, uma referência local em práticas de cuidado em saúde, que preparava garrafadas, xaropes fitoterápicos e realizava visitas sistemáticas aos doentes da comunidade.
A vocação religiosa se consolidou em 1943, aos 19 anos, com o ingresso na Congregação das Irmãs do Imaculado Coração de Maria. Em 21 de novembro de 1951, ao professar seus votos em Porto Alegre, Marcolina recebeu o nome de Irmã Assunta Maria, em homenagem à irmã que havia falecido precocemente. Foi a transição da vida comum para a vida doada, marcada por uma missão que se revelou um reflexo fiel do carisma da fundadora da congregação, Bárbara Maix.
A Missão na Periferia e a Saúde Popular
Irmã Assunta dedicou sua vida ao serviço. Após um breve período em Arroio Grande, onde foi professora no Colégio Nossa Senhora das Graças, ela retornou ao Instituto São Benedito, em Pelotas, onde permaneceu de 1956 a 1971, lecionando durante o dia e auxiliando na confeitaria à noite para garantir o sustento da instituição.
Sua biografia se aprofunda a partir da sua atuação na Vila dos Agachados, no Loteamento Cruzeiro do Sul, na década de 1960, e em outros bairros periféricos. A experiência de dez anos como missionária no centro-oeste do Brasil foi crucial. Ali, a freira aprofundou seu conhecimento sobre plantas medicinais, em especial com os povos indígenas e suas mulheres.
Após o retorno e a morte de uma criança por falta de atendimento médico na periferia de Pelotas, Irmã Assunta fez da saúde do povo a sua missão. Retomando seus saberes em Fitoterapia, ela passou a formar equipes de trabalho, majoritariamente femininas, sendo a primeira na Capela Santa Rita de Cássia (Vila Cruzeiro), considerada a “mãe” das quinze comunidades que hoje integram a Pastoral Ecumênica da Saúde Popular na região.
Além da evangelização e assistência social, ela foi pioneira no resgate e valorização da medicina natural, integrando práticas de cuidado hoje denominadas Práticas Integrativas Complementares em Saúde (PICS) e regulamentadas no SUS. A Irmã introduziu a Massoterapia, Homeopatia, Florais e Bach, Acupuntura e Reiki. Um trabalho destacado pelo Prêmio Betinho Atitude Cidadã 2011, em reconhecimento às ações de solidariedade social e de promoção da cidadania desenvolvidas em Pelotas.
A Antropóloga e a Casa do Caminho
A autora do livro, Rojane Brum Nunes, ouviu falar da Irmã Assunta pela primeira vez em 2010, no Uruguai, mas só a conheceu pessoalmente em 2017, na Casa do Caminho, ONG fundada pela própria freira. Rojane chegou à Irmã por meio de um cartaz manuscrito afixado em uma parede na Comunidade SAOR.
A proximidade permitiu a Rojane constatar a resiliência, generosidade e capacidade ímpar de Irmã Assunta em congregar pessoas em torno do propósito de cuidar da saúde do povo, mesmo diante das perseguições e retaliações que sofreu. O livro é um testemunho da sua vida dedicada a equilibrar “a firmeza e a doçura”.
Curso que mudou vidas
A pedido da Irmã Assunta, um dos capítulos da obra traz uma apostila sobre plantas medicinais, na qual estão listadas mais de uma centena delas e suas indicações de uso terapêutico, a partir da sua experiência. Mas Rojane lembra que, conforme a própria religiosa, o melhor modo de aprender sobre as plantas é realizar um trabalho voluntário em alguma das 15 comunidades desenvolvidas pela Irmã. Outra forma, é participar do Curso de Fitoterapia da Irmã Assunta que ela ministra até hoje.
A massoterapeuta Cristina La Roque de Moura, 41, foi uma das tantas mulheres que tiveram sua vida profundamente tocada e alterada pelos conhecimentos da religiosa. “Eu me formei aqui na massoterapia em 2007, na primeira turma. E aí fiz o estágio e tudo, mas aqui na Casa eu trabalho na farmácia, que eu também amo mexer com as tinturas, com as plantinhas”, conta.
Cristina chegou à Casa do Caminho aos 20 anos em busca de ajuda para o filho que tinha bronquite. Com fé na medicina natural, a jovem submeteu o bebê aos cuidados da fitoterapia, mesmo contra a vontade da família “Depois de um ano de fazendo o tratamento bem certinho, ele ficou bem. Nunca mais teve crise nenhuma. Eu guardei o nebulizador por sete anos ainda”, relembra.
Consequentemente ela foi ficando, também se tratando e, logo depois, começou a fazer os cursos. “E isso mudou a minha trajetória de vida também, porque eu não tinha um trabalho ainda, era muito jovem, a Casa me deu uma qualificação e é com o que eu trabalho até hoje e sustento a minha família. Vim em busca da cura física e descobri a cura da alma também”, diz.
Lançamento
Neste sábado, a partir das 14h, a autora e a Irmã Assunta estarão lado a lado no lançamento do livro, na Casa do Caminho, avenida Zeferino Costa, 129. O evento contará com feirinha gastronômica, com a venda de doces produzidos na Casa, e brechó, com renda revertida para as ações sociais coordenadas pela religiosa.
O livro A saúde do povo como missão – Irmã Assunta Tacca e a saúde popular comunitária, com 300 páginas, distribuídas em sete capítulos e ilustrado por 90 fotografias estará à venda no local a R$ 100,00. O pagamento pode ser feito via pix, através da chave 53 99146 9398, no nome da autora, Rojane Brum Nunes.