O sonho de milhares de pelotenses, especialmente daqueles que vivem nas regiões do Simões Lopes e do Fragata, encontra em Cruz Alta uma fagulha de esperança para continuar acreditando em um futuro sem os trilhos na área urbana da cidade. No município do Noroeste gaúcho, desde o dia 23 de agosto está em elaboração o projeto executivo do Contorno Ferroviário de Cruz Alta, orçado em R$ 8 milhões, que prevê a retirada do caminho do trem entre as residências.
A estrada de ferro Rio Grande–Bagé existe desde 1884. São cerca de 300 quilômetros que ligam o Litoral Sul à Campanha. Até 1986 eram transportados passageiros; depois disso, apenas cargas passaram a ser levadas nos vagões. E nesse trajeto está Pelotas, ainda hoje cortada pelo trem, com o trânsito interrompido de 30 a 40 minutos em vários pontos a cada passagem das locomotivas. Automóveis, ambulâncias, veículos de empresas e de carga são impactados por essa demora com hora marcada, diariamente.
A passagem interrompe a circulação nas ruas Saturnino de Brito, Tiradentes, Lobo da Costa e Frederico Bastos, coloca em risco a vida da população, provoca danos em imóveis construídos ao longo do leito da ferrovia e impede a cidade de utilizar uma grande área para outros fins urbanos.
Com o encerramento do transporte de passageiros nos anos 1980, não há mais justificativa para que sejamos impactados pelos comboios. A linha se mantém no trajeto que leva até a antiga Estação Ferroviária, onde ocorria o embarque e desembarque de pessoas. O prédio atual foi inaugurado em 2 de dezembro de 1884, tem valor histórico, passou por processo de restauro e atualmente é ocupado por órgãos do município.
No caminho, o trem acompanha paralelamente a BR-392 até se aproximar de Pelotas, quando cruza a rodovia, ingressa na área urbana e a atravessa por quilômetros, sem qualquer manobra ou parada. Depois disso, volta a cruzar a BR para seguir seu destino, novamente à margem da estrada, em direção à Campanha. Não há mais justificativa, portanto, para a manutenção do trajeto pelo trecho urbano, nesse desvio que perdeu completamente o sentido.
A história também registra acidentes. Em 2012, 13 vagões se soltaram e descarrilaram próximo à rua Saturnino de Brito. O trigo que transportavam ficou espalhado pelo chão. Em 2015, uma morte foi registrada: um jovem de 20 anos foi atropelado nos trilhos do Simões Lopes. Já em 2016, a BR-392 ficou bloqueada depois que um caminhão colidiu contra o trem que deixava Pelotas para voltar à rodovia.
Sem a linha férrea, o Poder Público poderia reordenar e dar maior fluidez ao trânsito, construir pistas, ciclovias, áreas verdes, quadras esportivas e praças, desenvolver projetos no imenso espaço que ficaria livre, além de iniciar o trabalho de regularização fundiária nos terrenos ocupados irregularmente ao longo do leito durante décadas.
Em 2012, até se pensou nisso. No mês de junho, uma equipe técnica do Ministério dos Transportes esteve na cidade para discutir a viabilidade de alterar o trajeto para o lado externo da BR-116. Dois anos depois, no relatório Proposições para solução de conflitos ferroviários urbanos, apresentado à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) com o objetivo de subsidiar decisões sobre investimentos que resolvessem essas demandas nas regiões Sudeste e Sul, Pelotas foi citada: “De sua parte, a ALL Malha Sul considera imprescindível a construção dos contornos ferroviários nas cidades de Joinville/SC, São Francisco do Sul/SC, Curitiba/PR e Pelotas/RS.” Mesmo com o peso da palavra ‘imprescindível’, o resultado todos conhecemos: nada aconteceu.
Precisamos de alguém que vislumbre o futuro de forma estratégica. Com força e influência suficientes para levar adiante a proposta e garantir que, assim como acontece hoje em Cruz Alta, façamos aqui o Contorno Ferroviário de Pelotas. Mas quem? Prefeito, deputados, empresários, líderes comunitários? No mundo ideal, todos juntos podem conduzir o projeto, unidos pelo bem da cidade. Mas um precisa dar o primeiro passo.