Pense comigo: é possível levar a sério um projeto que, em duas décadas, já foi anunciado três vezes, consumiu milhares de reais do dinheiro público em estudos e nunca saiu do papel?
O tempo é a referência para provar que a instalação da linha regional de trem de passageiros entre Pelotas e Rio Grande é uma proposta que ninguém deve acreditar. Ao contrário, parece piada falar dela. Do ponto de vista estratégico, é fundamental por aproximar os dois principais municípios da Zona Sul. Do ponto de vista político, é usada sem cerimônia como instrumento apenas com o objetivo de ganhar manchetes. Vamos aos fatos:
Em 22 de maio de 2002 divulgava-se a reunião entre o gerente executivo de promoção urbana do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), João Sharinger, e a prefeitura de Pelotas, com a ideia de apresentar “o estudo de viabilidade técnico-econômica de sistemas de transporte ferroviário de passageiros de interesse regional, destacando o trecho Pelotas–Rio Grande”.
Duas décadas atrás, anunciava-se também que o estudo analisaria nove trechos ferroviários no país, entre eles o que liga a Princesa do Sul à Rainha do Mar. Seria realizado pela equipe do Núcleo de Planejamento Estratégico de Transportes (Planet), do Programa de Engenharia de Transportes da Coordenação de Pós-Graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, na área de infraestrutura do BNDES. Nada aconteceu.
Dez anos depois, a mesma história. Em 17 de abril de 2012, a notícia era idêntica, agora com outros agentes. “Dentro de um mês os técnicos do Laboratório de Transportes e Logística da Universidade Federal de Santa Catarina (LabTrans/UFSC) devem desembarcar em Pelotas para o início das pesquisas que irão fazer parte do Estudo de Viabilidade Econômica, Técnica e Ambiental para implantação do trem regional de passageiros entre Capão do Leão, Pelotas, Rio Grande e o Cassino.” Ou seja, outro estudo, sendo que um já havia sido feito. E, novamente, nada aconteceu.
Já em 29 de julho de 2024 — há pouco mais de um ano — a informação repetiu o caminho de 2002 e 2012. A Infra S.A., controlada pelo Ministério da Infraestrutura, assinou os contratos para elaborar (adivinhe?) o terceiro estudo de viabilidade técnica, econômica e ambiental voltado à implantação e exploração de transporte ferroviário de passageiros em seis trechos no Brasil, entre eles, Pelotas e Rio Grande.
Em resumo, a cada dez anos o governo federal acena com o mesmo projeto, para o mesmo trecho e com os mesmos estudos, sem rodar até hoje um único centímetro nos trilhos subutilizados que unem os dois municípios. Sete presidentes da República, três pesquisas encomendadas e uma fortuna gasta com análises que não levaram a lugar nenhum. O trem regional continua na lista dos projetos esquecidos nas gavetas em Brasília, à espera de quem queira, de década em década, produzir notícias e gastar recursos públicos com fórmulas prontas. Um símbolo da falta de seriedade e da aposta governamental na pouca memória do povo. Cabe a nós, da imprensa, o papel de alertar, cobrar e não deixar o tempo apagar essas promessas vazias, que andam na velocidade de uma Maria-fumaça.
Por isso, quando políticos defenderem o trem regional, fique à vontade para rebater: “Aquele que vocês anunciaram em 2002, 2012 e 2024? Por favor, me respeite.”