Quase seis meses após a tragédia na BR-376, o Remar para o Futuro ainda não recebeu nenhum recurso público prometido. Por diferentes motivos, verbas do governo federal e da prefeitura de Pelotas seguem sem cair nos cofres do projeto pelotense. A consequência direta é uma série de problemas estruturais, mas as atividades continuam e os índices dos atletas da equipe permanecem entre os melhores do país nas categorias de base.
Desde outubro, o coordenador geral do Remar, Fabricio Boscolo, vem colocando dinheiro do próprio bolso. Pouco mais de 30 jovens, todos estudantes de escolas municipais, integram o programa. Eles se dividem entre equipe, focada no alto rendimento, com dez atletas; pré-equipe, um estágio abaixo; e aspirantes, que ainda estão conhecendo a modalidade.
“A gente não recebeu nenhum recurso do Ministério do Esporte ainda. Nenhum recurso da prefeitura. Esses problemas estão acontecendo por diferentes entraves burocráticos que não dependem da vontade das pessoas que estão operacionalizando esses convênios. Objetivamente a gente não tem nenhum tipo de suporte financeiro de nenhum lado no cotidiano do Remar para o Futuro”, afirma Boscolo.

As atividades do projeto são em área cedida pelo Clube Centro Português 1º de Dezembro, às margens do arroio Pelotas (Foto: Jô Folha)
Conforme o coordenador do projeto, a verba federal deve ser depositada via UFPel. No fim do ano passado, o Ministério do Esporte garantiu o repasse de R$ 753 mil ao Remar. Segundo diferentes partes envolvidas nos trâmites, a demora para a transferência do dinheiro teria a ver com a Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2025, ainda não sancionada pelo presidente da República.
Em nível municipal, existe um convênio entre prefeitura e UFPel. Em ambas, houve mudança de gestão. De acordo com Boscolo, município e universidade teriam elaborado minutas diferentes de contratos no fim de 2024. Os documentos ficaram parados nos primeiros meses deste ano. Agora, a promessa é de que as duas minutas vão originar uma só, com elementos das duas, permitindo o recomeço do processo.

Na garagem onde antigamente ficavam guardados os barcos, estrutura danificada impede uso, e espaço está vazio (Foto: Jô Folha)
Barcos expostos e rampa precária
Os cerca de 30 barcos localizados na sede do projeto, em estrutura cedida pelo Centro Português 1º de Dezembro, às margens do arroio Pelotas, não ficam mais na garagem anteriormente destinada a abrigá-los. O problema estrutural do espaço foi agravado durante a enchente de maio.
Há buracos no telhado e o pilar central apresenta um desgaste perigoso. A saída tem sido deixar os barcos em área aberta, inseguros e expostos a fenômenos climáticos. Outro problema é a rampa de acesso ao arroio, parcialmente destruída. A Unimed Pelotas doou a estrutura, mas falta a conexão entre terra e água para solucionar o impasse.

A rampa de acesso à água também apresenta problemas (Foto: Jô Folha)
Excelência no desempenho
Apesar dos percalços, o Remar para o Futuro segue em frente. A equipe de alto rendimento conta com dez componentes, entre eles João Pedro Milgarejo, sobrevivente do acidente no Paraná e, em março, quarto colocado em barco ao lado de outros três brasileiros com a seleção no Pré-Pan-Americano Júnior, no Paraguai.
“Tem excelentes perspectivas. Nas últimas semanas eles realizaram baterias de testes e foram muito bem, com percentuais ótimos. Mesmo com todas as dificuldades, a equipe segue projetando, tranquilamente, títulos em nível nacional, com números que representam níveis de campeões”, diz o treinador da equipe, Davi Rubira, ex-atleta do Remar.
Nos treinos, todos os participantes do projeto fazem o aquecimento de forma conjunta. A equipe de alto rendimento, então, realiza uma atividade sob comando de Davi, enquanto Paulo Daunis comanda os trabalhos da pré-equipe e estagiários oriundos da universidade orientam o treinamento dos aspirantes.

Atletas da equipe, pré-equipe e aspirantes começam os treinos juntos, mas depois do aquecimento se dividem em três grupos (Foto: Jô Folha)
O doutor da Escola Superior de Educação Física (Esef/UFPel), Gabriel Moraes, supervisiona a musculação para os atletas da equipe e da pré-equipe, duas vezes por semana. Há, ainda, treino de natação – saber técnicas de sobrevivência na água é requisito para integrar o quadro de remadores de alto rendimento do programa.
“A gente trabalha com referência mundial, e 50% deles [atletas da equipe] alcançou mais de 90% da referência mundial nos testes do remo ergômetro. Dá muita gratidão de trabalhar com eles. A gente proporciona o treino, mas no fim das contas quem sente a dor e quem vai adiante são eles”, completa Davi Rubira.
Além do esporte
Criado em 2015, o Remar para o Futuro é um projeto social que atende jovens matriculados na rede pública municipal. Quem vive o dia a dia garante não se tratar apenas de uma atividade física. “Vim sem saber nada de remo. Me acolheram muito. Não era de ter muitos amigos, mas aqui fiz muitos”, conta Gabriel Bassi, 16 anos, integrante da equipe.
O remador diz que, antes de ingressar no Remar, em 2023, não tinha uma rotina definida de sono e alimentação, por exemplo. Isso mudou, assim como no caso do colega Marco Antonio Lisakovski, 17, remador desde o fim do ano passado. “Apesar do pouco tempo, foi uma evolução bem grande. Não tinha hora para dormir, comia qualquer besteira. Aqui tu controla mais, justamente para ter uma performance melhor”, afirma.

Gabriel e Marco Antonio integram a equipe (Foto: Jô Folha)
Associação Remar para o Futuro
Nesta sexta-feira (4) foi enviada autorização de cartório para o pedido de abertura, na Receita Federal, do CNPJ da Associação Remar para o Futuro. O principal objetivo da associação é ganhar autonomia para captação e gerenciamento de recursos para o Remar sem depender da articulação com a UFPel.
Nos dois primeiros anos de existência da associação, porém, não é permitida a captação de verba devido ao tempo recente de vigência do CNPJ. Durante esse período, a universidade segue como instituição maior para receber valores e destiná-los ao Remar para o Futuro.
Nove vidas perdidas
O acidente na BR-376, em Guaratuba (PR), em 20 de outubro do ano passado, vitimou sete atletas (Samuel Benites Lopes, 15; Henry Fontoura Guimarães, 17; João Pedro Kerchiner, 17; Helen Belony Centeno, 20; Nicole Colella da Cruz, 15; Angel Souto Vidal, 16; e Vitor Fernandes Camargo, 17), além do fundador, coordenador e técnico do Remar para o Futuro, Oguener Tissot, 43, e do motorista da van que os trazia de volta de São Paulo, Ricardo Leal da Cunha, 52.