Quase um ano após as enchentes, a Zona Sul ainda enfrenta desafios na cobertura e manutenção de radares meteorológicos, estações e medidores pluviométricos, comprometendo a eficácia do sistema de previsão. Hoje, duas das estações do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) estão inoperantes.
Em um relatório recente realizado pelo vice-reitor da Unisinos, Artur Jacobus, foram identificadas lacunas no registro de dados climáticos em estações do Inmet. Na região, há uma em Pelotas, inoperante desde janeiro de 2024; e outra em Santa Vitória do Palmar, que desde dezembro de 2024 não registra temperaturas máximas e não cataloga precipitações e temperaturas nos finais de semana.
Segundo o professor de meteorologia da UFPel, Leonardo Calvetti, especialista em radares meteorológicos, é fundamental que o órgão nacional recupere e restabeleça as estações meteorológicas na Zona Sul, principalmente a de Pelotas, localizada no Capão do Leão. Ele ressalta que essa estação tem mais de 100 anos de dados e é uma referência mundial no campo do monitoramento climático.
Conforme Calvetti, o Inmet possui uma extensa rede de estações em todo o Brasil, mas há anos enfrenta problemas orçamentários que dificultam a manutenção dessas unidades. Além disso, enfatiza que, embora a rede seja nacional, o ideal seria que cada município da região tivesse ao menos uma estação meteorológica própria. “No caso de municípios mais próximos, poderiam fazer um consórcio e instalar uma estação”, sugere.
Manutenção precária
O principal desafio, segundo ele, é a manutenção contínua desses espaços, um problema que também é enfrentado pelos radares meteorológicos. “Uma informação meteorológica perdida nunca mais pode ser registrada. Por isso, o sensor precisa trabalhar com alto índice de disponibilidade”, destaca o professor.
Radares meteorológicos
O professor diz que a Metade Sul do RS conta com dois radares meteorológicos da Aeronáutica, um em Santiago e outro em Canguçu, ambos de largo alcance e com tecnologia de polarização simples. Instalados na década de 1990, esses equipamentos são antigos e necessitam de modernização. Além deles, há um radar mais moderno, de menor alcance e dupla polarização, instalado pela Defesa Civil do RS no ano passado em Porto Alegre.
Para um monitoramento melhor, Calvetti indica a necessidade de, ao menos, três novos radares de largo alcance, além de outros menores para situações específicas, como portos, pesquisa e aeroporto. “[A rede atual] está ruim e precária. Precisamos de radares novos e com tecnologia de dupla polarização. Principalmente, com a disponibilização de dados de todas as variáveis”, avalia.
Monitoramento hidrológico
Outro sistema de monitoramento essencial são as réguas linimétricas e sensores eletrônicos do nível de rios. Esses equipamentos permitem acompanhar a resposta da bacia hidrográfica diante de um evento de chuva. Segundo a hidróloga e professora da UFPel, Tamara Beskow, do ponto de vista de um sistema de previsão hidrológica, eles são indispensáveis para alimentar os modelos e possibilitar previsões mais assertivas.
Baseando-se em informações de domínio público, Tamara cita os seguintes sistemas vigentes na Zona Sul:
- Rio Jaguarão (Passo das Pedras, Jaguarão): Único com monitoramento em tempo real e dados disponíveis online pela Agência Nacional de Águas (ANA).
- Rio Piratini (Pedro Osório/Cerrito): Estação automática parou de funcionar após a inundação de 2023; restou apenas medição manual feita pela Defesa Civil.
- Rio Piratini (mais acima): Possui estação automática da Secretaria do Meio Ambiente do Rio Grande do Sul (Sema/RS), mas sem curva-chave de vazão, o que impede seu uso para previsão hidrológica.
- Arroio Basílio (afluente do Piratini): Monitoramento apenas manual, com réguas para leitura do nível da água.
- Rio Camaquã (Cristal, BR-116): Estação automática removida devido a obras, restando apenas a convencional.
- Arroio Pelotas e o arroio Fragata tem monitoramento convencional.
Novos medidores
A hidróloga acrescenta que, durante a inundação, o Sanep instalou estações de monitoramento no canal São Gonçalo, arroio Pelotas, barragem e alguns canais de drenagem, mas os dados não são acessíveis ao público. Além disso, a Defesa Civil estadual está em processo de aquisição de 180 novas estações, algumas das quais serão instaladas na região. A Portos RS também está implementando estações para monitorar o nível da Laguna dos Patos.
Preocupações
Pela perspectiva do risco de inundação em áreas urbanas, Tamara identifica carência de monitoramento em São Lourenço do Sul e o distrito de Santa Isabel, em Arroio Grande. “A prefeitura de São Lourenço do Sul está bastante ativa na busca por recursos para instalar esses e outros equipamentos”, diz.
Além disso, uma vez a Portos RS instalando equipamentos nas margens da Lagoa dos Patos, a região da Lagoa Mirim ainda estaria descoberta. A hidróloga explica que a Lagoa Mirim é um manancial de importante monitoramento também porque, ocorrendo cheias na porção Uruguai da bacia da Mirim-São Gonçalo, esse monitoramento permitiria acompanhar a dinâmica do escoamento dessa água.