Enquanto o Fundo da Criança e do Adolescente possui em torno de R$ 3,5 milhões em conta e o Fundo do Idoso outros R$ 2,7 milhões, instituições filantrópicas de Pelotas que atendem esses grupos em vulnerabilidade não recebem repasses desde 2022. O caso chama a atenção, prejudica a prestação do serviço social e pode parar no Ministério Público.
Os recursos do Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, assim como do Fundo do Idoso, são direcionados à promoção de políticas públicas e de projetos em prol da infância, da adolescência e da população idosa. A verba tem origem, em sua maioria, das destinações feitas por pessoas físicas e jurídicas na Declaração do Imposto de Renda (IR). Somente em 2024, mais de R$ 1,6 milhão foram destinados aos Fundos de Pelotas. Porém, o recurso não tem chegado na ponta para o público que deveria ser beneficiado.
Diretor do Instituto de Menores Dom Antônio Zattera (Imdaz), que tem mais de 300 acolhidos entre crianças e adolescentes, o Padre Marcus Bicalho afirma ter conseguido a doação de R$ 50 mil para a entidade com a empresa Minas Arena, administradora do estádio Mineirão. Além disso, outros dois projetos do Imdaz, nos valores de R$ 50 mil e R$ 200 mil teriam sido aprovados no Comdica há mais de dois anos, mas as verbas não foram repassadas. “Até onde sei, nenhuma entidade recebeu. As explicações são várias, incluindo restrições da Procuradoria Geral, que nunca foram apresentadas a nós”, diz.
O lar de idosos Centro Social Filadélfia não recebe recurso há cerca de três anos. Diante disso, há a possibilidade de fechar as portas em maio. No local, são atendidos 22 idosos em situação de vulnerabilidade. Alguns estão no Filadélfia há mais de 20 anos e não têm mais contato com familiares. Atualmente, a manutenção do acolhimento é feita por meio de doações e do acúmulo de dívidas. “A gente só vê passar os anos, eles vão fazer o quê com esse dinheiro? Acaba que as pessoas e empresas não vão querer mais doar porque não vêm para onde está indo”, diz a diretora Patrícia Frank.
Movimentação financeira
O Padre Marcus Bicalho relata ter pedido o extrato da conta do Fundo da Criança e do Adolescente em 2023 devido à falta de repasse e verificado diversos saques que não correspondiam ao envio para as entidades beneficiadas. “Tem que verificar se nestes três anos os recursos doados por terceiros ficaram lá rendendo em uma aplicação ou se foram retirados”, defende.
O presidente do Comdica, Maiquel Fouchy, também constatou no Portal da Transparência movimentações que parecem irregulares sendo realizadas há pelo menos dois anos. “Vinhamos solicitando periodicamente os extratos bancários do fundo para a prefeitura. Esses extratos chegam com entradas e saídas de dinheiro, questionamos, mas não obtivemos retorno”, diz.
Nas movimentações indicadas no Portal da Transparência aparecem empenhos para destinatários como empresa de prestação de internet, fundo de assistência médica dos servidores públicos, empresa de zeladoria e em nome de servidores e estagiários. “A prefeitura não pode usar o dinheiro para despesas. Começamos a perceber entradas e saídas de valores altos, R$ 500 mil, R$ 1 milhão”, relata Fouchy.
No Portal da Transparência, o Fundo da Criança e do Adolescente está vinculado à Secretaria de Assistência Social, dessa forma não é possível verificar se os empenhos são pagos com recursos do município ou do fundo.
Uso do recurso
A resolução n.º 137 de 2010 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) proíbe o uso dos recursos para custear despesas que não estejam diretamente relacionadas à implementação de políticas públicas para esse público. Segundo o presidente do Comdica, a entidade está preparando documentos para encaminhar uma denúncia ao Ministério Público.
Além disso, Fouchy relatou o problema ao novo governo em reunião na prefeitura na última quarta-feira. “Pedimos que esse recurso fosse todo devolvido, inclusive com rendimento que ele deveria ter”.
Prefeitura se manifesta
A atual secretária de assistência social, Raquel Nebel, afirma que a movimentação de recursos dos fundos é realizada somente por meio de uma resolução e de ata assinada pelos Conselhos da Criança e do adolescente e do idoso. “O município não tem gerência em tocar em nenhum centavo do fundo sem autorização do Conselho. É um recurso público, mas a gestão é da sociedade civil”. Raquel diz que desconhece qualquer movimentação inadequada dos recursos dos fundos da Criança e do Adolescente e do Idoso.