Depois de dias com calor intenso, a chegada de temperaturas mais amenas a Pelotas impacta a vida de pescadores, em virtude da safra do camarão. O esfriamento da água influencia diretamente o ciclo de vida da espécie, afetando seu crescimento, reprodução e a disponibilidade para a pesca. Ao mesmo tempo, a recente restrição na captura da tainha também impacta na renda da comunidade pesqueira.
O professor Luiz Felipe Dumont, do Instituto de Oceanografia da Universidade Federal do Rio Grande (Furg), explica que um único evento isolado de queda brusca de temperatura possivelmente não terá um grande impacto na safra do camarão. No entanto, ele destaca que a temperatura tem uma relação direta com o crescimento desses animais. Em temperaturas mais altas, o desenvolvimento ocorre com mais rapidez, enquanto uma queda abrupta desacelera esse processo.
A partir da análise de dados, ele observa que, nas regiões mais rasas, a temperatura da água caiu de cerca de 31,5°C para 22°C em um período de 24 horas. Segundo ele, essa mudança repentina pode ter causado uma diminuição no desenvolvimento dos camarões e até mesmo uma mortalidade imediata, especialmente nas áreas rasas, onde as variações térmicas ocorrem com mais intensidade e velocidade.
Apesar desse impacto, Dumont acredita que, se as temperaturas permanecerem entre 27°C e 30°C, a safra deve seguir normalmente. O problema maior seria a ocorrência sucessiva de frentes frias, que poderiam reduzir progressivamente a temperatura da água e comprometer a produção.
Ele ressalta que, até o momento, a perspectiva para a safra segue positiva, com tendência de melhora entre março e maio. Isso porque, no final de dezembro, ainda foram observadas larvas de camarão em grande quantidade. Se não houver mudanças ambientais significativas nos próximos meses, a expectativa é de que a produção continue dentro do esperado até maio.
Mais de uma preocupação
Pescadores da Ponta da Barra, em Pelotas, enfrentam um cenário difícil com as novas restrições impostas pelo governo e a escassez de camarão na região. A cota de pesca estabelecida pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) limita a captura de tainha a 88,3 quilos por mês por pescador, um volume considerado insuficiente para cobrir os custos da atividade. Para sair à lagoa, os pescadores gastam cerca de R$ 500 em combustível, enquanto a venda da tainha gera apenas R$ 250. Isso torna a pesca inviável.
A frustração da comunidade pesqueira também se estende às pesquisas que embasaram a definição da cota da tainha. Os pescadores criticam o fato de os estudos terem sido realizados em um ano atípico, marcado por um volume excessivo de água doce no estuário. Para eles, a redução da cota não se justifica, pois a tainha, que é um peixe de água salgada, simplesmente não migrou para a lagoa devido à falta de salinidade.
Frente fria e expectativa
Em meio a esse contexto, a queda nas temperaturas não é a única das preocupações. Os pescadores ainda têm esperança de que a safra possa melhorar, mas reconhecem que os números até agora estão muito abaixo do esperado. Em condições normais, cada embarcação poderia capturar até dez toneladas de camarão, mas nesta temporada a pesca tem sido mínima, com duas a três toneladas por canoa. Apesar das dificuldades, eles seguem tentando, na expectativa de que as chuvas diminuam e a água volte a salgar o suficiente para recuperar a produção.