A vereadora Fernanda Miranda (PSOL), abordada pela Brigada Militar com dois cigarros de maconha no Carnaval, levou para dentro do Legislativo pelotense uma pauta moral. Todo agente político, na teoria, não pode consumir drogas. Também não pode aparecer bêbado, se envolver em casos de violência, escandalizar, dizer palavrões em ambientes abertos, fugir de blitze no trânsito, olhar atravessado para cachorros, fazer gestos nazistas, furar filas, entre outras regras invisíveis prescritas na cartilha ética que rege sua conduta quando pisa na rua. Na teoria.
Políticos fumam maconha. Fernando Henrique Cardoso admitiu quando era senador em 1984. Bill Clinton também, na campanha à presidência dos Estados Unidos em 1992 (“Fumei umas duas vezes, mas não traguei”, disse). Lionel Jospin, na disputa do cargo de primeiro-ministro da França em 1995, foi outro a reconhecer. A diferença para o cidadão comum usuário da droga – a maconha é tipificada como droga pela Organização Mundial da Saúde (OMS) – é o cargo. Fosse Fernanda Miranda uma simples foliã curtindo o Carnaval de Pelotas, sequer teria sido notícia.
Gostem ou não os agentes públicos, o fato é que a população espera retidão de figuras eleitas para representar e defender os interesses coletivos. A sociedade ainda está a anos-luz de distância de aceitar o debate sem vícios de temas engavetados dentro de pastas conservadoras. Gritar independência e esbravejar “da minha vida privada cuido eu” funciona dentro da bolha em que cada um vive, onde só se escuta o lado que se quer ouvir. Mas paga-se o preço por quase tudo quando se escolhe viver da política. E político é político 24 horas por dia. Goste ou não.
É fácil criticar quem é flagrado pela polícia com dois cigarros de cannabis e ocupa cargo representativo. Seguem dois exemplos: 1. Fernanda Miranda abraça a bandeira da educação desde o início do seu mandato, em 2016. E educação e maconha não combinam. 2. Ela faz discursos por melhorias no serviço de saúde de Pelotas. E saúde e maconha também não combinam. Assim como foram simplistas muitos dos argumentos que ganharam as redes sociais após o episódio com a vereadora e que parecem lógicos para muitas pessoas: “Não sou contra, mas que fume em casa”. É assim que o povo pensa, como a avestruz com a cabeça enfiada no buraco ao pressentir o perigo. O que reforça a necessidade de ampliar o debate.
E como tudo na vida tem um MAS, a parlamentar do PSOL, partido hoje à frente da vice-prefeitura de Pelotas, passou a semana oferecendo explicações nas redes sociais, onde dialoga e se escuda com apoiadores. Já a oposição, ao estilo “explica MAS não justifica”, deita e rola, tenta levá-la à Comissão de Ética, anuncia projetos para submeter os parlamentares a exames toxicológicos – que não irão identificar consumo “social” de álcool – e agradece a vereadora por ter estacionado gratuitamente uma minicrise na calçada do governo municipal. Se vai causar algum arranhão (pouco provável), é outra história.
Pelotas irá interferir em quase nada no debate nacional sobre o uso recreativo e medicinal da maconha. Fará a sua parte como município: discussões, marchas e documentos. Novas decisões, mesmo, serão tomadas em esferas maiores, no Congresso hoje avesso à pauta e no STF, onde agendas de costume não encontram data no calendário. Por aqui sofremos as consequências da falta dessa política definidora e, por consequência, transformamos dois cigarros de maconha em um quilo de problemas.