“O tambor é a extensão do meu corpo, eu não consigo pensar em cultura sem o sopapo”

Abre aspas

“O tambor é a extensão do meu corpo, eu não consigo pensar em cultura sem o sopapo”

Dilermando Freitas tem como missão principal a preservação da cultura do tambor de sopapo

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“O tambor é a extensão do meu corpo, eu não consigo pensar em cultura sem o sopapo”
Atuação de Dilermando é voltada à disseminação do tambor de sopapo. (Foto: Ana Cláudia Dias)

O educador físico e percussionista Dilermando Freitas, foi reconhecido há 19 anos como mestre griô em Pelotas pela Ação Griô Nacional, uma rede de gestão cultural do Ministério da Cultura. Freitas é também formado em Pedagogia Griô pela Escola de Pedagogia e Griô de Lençóis, na Bahia, em parceria com a USP em São Paulo e com o IFSul do Rio Grande do Sul. Atualmente mestrando em Educação, tem como missão principal a preservação da cultura do tambor de sopapo, patrimônio imaterial do município, e a disseminação do seu modelo construtivo.

Como e quando o senhor foi reconhecido como griô?

Eu sou fruto de uma política pública do governo federal. Em 2006, duas pessoas que hoje coordenam a Ação Griô Nacional, que se tornaram meus amigos, Lilian Pacheco e Márcio Caire, trouxeram uma pesquisa sobre os griôs africanos. O governo abraçou e aí escolheu mestres e mestras e griôs aprendizes. O trabalho enviado para que eu me tornasse um griô foi que eu mantivesse viva a cultura do tambor de sopapo, porque eu sempre vivi o Carnaval. Desde os 13 anos sou percussionista e, com essa idade, iniciei como ritmista de escola de samba. Hoje o tambor é a extensão do meu corpo, eu não consigo pensar em cultura sem o sopapo. Em Pelotas, fomos três mestres griôs, e eu, a Mestra Sirley (Amaro), e o saudoso Mestre Batista, começamos a fazer um trabalho junto. E aí eu comecei a entender o valor desse tambor.

Qual o peso do tambor na cultura afro-pelotense?

A gente traz nele uma ancestralidade. Eu, como sou de umbanda, nesse tambor que eu carrego comigo, eu trago uma ancestralidade, eu trago o arquétipo de vários orixás. Significa minha história, a história do negro. Na cidade de Pelotas e, de modo geral, no Rio Grande do Sul.

O senhor pode explicar o que foi o Cabobu?

O Cabobu foi um projeto criado pelo nosso saudoso mestre Giba Giba, em 1999, para resgatar o tambor de sopapo. O Giba Giba, quando chegava em Pelotas, dizia: ’Está em falta a matriz cultural africana’. Era o tambor de sopapo. E a gente agradece muito ele, porque ele sempre carregou consigo esse tambor. Nunca deixou morrer essa cultura do tambor. E aí eu fui entender o valor, a importância do sopapo com o Cabobu e com o Odara. A gente criou a ONG Odara e o carro-chefe sempre foi o sopapo.

A que o senhor atribui o desaparecimento do sopapo no Carnaval de Pelotas?

Desde pequeno, porque eu sou do território de Ramiro Barcellos – eu era criança, eu ia nos ensaios da Ramiro com a minha mãe – e ali eu fiquei com a memória ocular dele. Nesse período ele era muito presente nas escolas de samba, com o tempo foi desaparecendo. Há quem diga que o tambor desapareceu porque era muito pesado. Eu costumo dizer que não é bem isso. Eu acho, enquanto carnavalesco e atuante nessa cultura popular, que foi quando as escolas de samba resolveram copiar o Carnaval do Rio de Janeiro. Porque cada escola tinha suas características, o ritmo, a gente sabia quando era uma ou outra, mesmo não estando com ela no campo de visão. E o tambor de sopapo era a potência dessa rítmica, dessa polirritmia nas baterias. Aí Pelotas colocou o surdo de 1º, 2º e 3º e deixando o sopapo de lado. Era ele que fazia esse papel do surdo de terceira dentro da escola. Vinha um surdo de marcação e o sopapo vinha fazendo esse recorte dentro da bateria.

Como o senhor trabalha a confecção do sopapo?

A confecção do tambor é de domínio público. A única coisa, quando eu confecciono um tambor que alguém me pede, eu só peço que ela tenha respeito com o tambor e falo um pouco da história dele para que a pessoa entenda o que significa. Mas pra quem sabe da importância do tambor eu me irrito, se deixar jogado. Ele traz toda essa ancestralidade nossa. Cada vez que eu toco o tambor, essa rítmica que eu consigo construir nos meus toques ali, me fortalece. É como uma energia, como se eu me bebesse numa fonte que me desse uma energia e me colocasse como potência no meu lugar de origem.

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