Futuro da termelétrica cria nuvem de tensão sobre comunidade de Candiota
Edição 19 de julho de 2024 Edição impressa

Segunda-Feira10 de Fevereiro de 2025

Da prosperidade ao risco de declínio

Futuro da termelétrica cria nuvem de tensão sobre comunidade de Candiota

Desligamento de usina provoca demissões e ameaça cadeia econômica de municípios da região da campanha

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Futuro da termelétrica cria nuvem de tensão sobre comunidade de Candiota
Pedido é por Medida Provisória que garanta funcionamento da Candiota 3 até 2043. (Foto: Divulgação)

“A tensão é muito grande. Se a usina fechar, todo esse pessoal que está aqui fica desempregado, não só daqui, de toda essa região”. A constatação de Paulo Rodrigues representa o sentimento que paira sobre uma cidade inteira desde o desligamento da usina Candiota 3, há 25 dias. Com o fim do contrato de venda de energia, ainda não há perspectiva sobre o futuro da termelétrica. Além dos cinco mil postos de trabalhos ameaçados, toda uma cadeia regional que depende da queima do carvão mineral está em risco.

As ruas ladeadas por casas idênticas que lembram condomínios foram construídas para alojar os funcionários da primeira usina, inaugurada em 1961. A partir da primeira vila operária, Candiota foi crescendo no entorno das termelétricas e das minas de carvão com reservas estimadas em um bilhão de toneladas.

A prosperidade proveniente da mineração e da geração de energia elétrica a carvão elevou Candiota ao posto de terceira cidade com o maior PIB per capita do Estado (R$ 282 mil). Isso apesar de ocupar a 152ª posição em número de população, de acordo com dados do IBGE. Enquanto na maioria do RS a média salarial é de cerca de 2,2 salários mínimos, no município a remuneração é de 4,3 salários.

Conflito socioambiental

No entanto, diante das mudanças climáticas e da necessidade da transição para o uso de fontes renováveis, cerca de 90% da economia de Candiota está ameaçada. “Se a usina parar, em Candiota parou tudo. Até o pessoal achar uma outra forma de trabalho, vai complicar, é uma preocupação total”, diz Rodrigues, encanador na Candiota 3 há 22 anos.

Com o fim dos contratos de venda de energia, duas usinas (Fase A e B) foram fechadas em 2017. O temor é que o mesmo ocorra com a Candiota 3 (Fase C), que teve o contrato vencido em 31 de dezembro de 2024.

Desde então, boa parte da cidade está mobilizada pelo religamento dela. O argumento é que Candiota já vem contribuindo para a descarbonização com a diminuição das termelétricas, entre outras medidas, e que a Fase C é mais moderna e menos poluente.

Com os protestos e a mobilização da prefeitura, o pedido é pela edição de uma Medida Provisória que garanta o funcionamento de Candiota 3 até 2043. Prazo necessário para a realização de uma transição energética social e economicamente justa.

“Nós queremos esse prazo para aperfeiçoar projetos, capacitar os operadores, adequar os equipamentos para que assim a gente possa abrir novas fontes de trabalho. E fora isso podemos buscar mais investimentos”, diz o prefeito Luiz Carlos Folador (MDB).

A angústia da incerteza

Enquanto não há perspectiva de religamento da usina, parte dos 710 funcionários foi colocada em férias e o restante continua trabalhando na manutenção do complexo. No pátio vazio, que em dias normais estaria abarrotado de caminhões, parte dos trabalhadores almoçava à sombra de árvores e do silêncio do local. Esse era o cenário na última quinta-feira, quando a reportagem do A Hora do Sul esteve no local.

De acordo com relatos, a sensação é de angústia diante da incerteza do futuro dos seus empregos. Operador de máquinas há 12 anos na usina, um homem que não quis ser identificado diz que todos estão assustados.

“A gente não sabe o que vai acontecer. Não temos nenhuma informação até agora, a empresa está dando férias, que é para não pôr na rua. Mas a gente espera que, se Deus quiser, dê tudo certo”, afirma o trabalhador.

Caso a interrupção de geração de energia na usina seja definitiva, o funcionário diz não ter nenhuma perspectiva de continuar em Candiota. “Tenho que pegar as minhas duas filhas e ir embora. É a única coisa que tenho para fazer, porque elas precisam estudar e eu tenho que trabalhar”.

O temor também é oriundo das medidas que possam ser tomadas pela nova administradora do complexo, vendido em 2023 à empresa Ambar Energia. Acostumados com a estabilidade do emprego CLT em uma estatal, os funcionários mais antigos temem ser os primeiros demitidos.

Desemprego

“Toda semana vai no mínimo um”, diz outro funcionário sobre o fim dos contratos em Candiota 3. O homem relatou a situação em tom de voz baixo, para que outras pessoas presentes no restaurante não pudessem ouvir. Assim como na usina, as conversas em outros lugares sobre o futuro incerto são sussurradas, o que confere a Candiota uma atmosfera de constante apreensão.

O funcionário é um dos que está de férias e teme, ao retornar à usina, receber o aviso de demissão. Isso porque alguns de seus colegas de setor já foram desligados. “Tu começa a trabalhar e quando terminar a jornada daquele dia, tu pensa: ‘bom, fiquei, mais um dia’. Não é nem um mês mais. E assim a gente vai indo”, conta.

Conforme relatos, ao menos 15 funcionários já teriam sido demitidos. “Como as pessoas com filhos, com família vão sair assim? A gente é descartável”, complementa a esposa do funcionário.

Efeito dominó

A preocupação que domina grande parte da cidade está ligada à possibilidade de ter de deixar para trás patrimônios e uma vida inteira construída na dependência das usinas e do carvão. “Como eu vou tirar a minha mãe de 75 anos daqui, onde ela construiu a casa dela? Vou colocar ela num apartamento, vamos ter que trabalhar o dia inteiro e ela fica sozinha”, diz a esposa do funcionário.

A mulher era empregada da usina, mas há dois anos trabalha na prefeitura. “Mas sem recurso no município, vão cortar salários e acaba a minha estabilidade. Vão ser dois demitidos. Eu construí a minha vida aqui, moro aqui há 33 anos”, lamenta.

O efeito dominó que o desligamento da usina causaria na economia e na vida dos moradores de Candiota é relatado também pela proprietária de um movimentado restaurante. “Nosso restaurante é 98% em função da usina. Na verdade 100%, porque toda a cidade depende da usina, isso reflete na vida de todas as pessoas”, diz Gilvania de Melo da Silva.

É por causa da movimentação de clientes da usina que Gilvania tem ampliado a estrutura do restaurante. “Sem a usina não temos condições de manter o restaurante e as pessoas provavelmente não terão condições de manter uma vida digna. Se tiver 100 pessoas aqui dentro, 80 são da usina”, diz.

Segundo ela, o desligamento há 25 dias já tem afetado o comportamento das pessoas e diminuído o movimento em Candiota. “Nós já estamos sentindo. As pessoas já estão sentindo, não é mais a mesma coisa. Ninguém mais quer fazer planos”, afirma.

Gilvania ressalta que entende a importância da transição energética e da preservação do meio ambiente. No entanto, ela pede uma alternativa que não ignore o impacto social e econômico na vida dos moradores de Candiota.

“Nós não somos maus por não querermos o fechamento da usina. É a única fonte de renda que temos. Como as pessoas vão viver com o fechamento da usina? Tem condições? Não creio que tenha”.

Atualmente, em funcionamento há somente a usina Pampa Sul, com o contrato vigente até 2043.

Impactos do desligamento da usina

Desemprego dos 710 trabalhadores diretos da UTE Candiota 3 e dos 300 trabalhadores diretos da CRM, mineradora do governo do Estado cuja mina de carvão se viabiliza somente devido ao contrato de fornecimento com a UTE Candiota 3.

Além disso, parte das cinzas oriundas da queima do carvão são utilizadas na fabricação de cimento em duas indústrias, uma localizada em Candiota e outra em Pinheiro Machado. De acordo com o prefeito Folador, o preço do cimento já estaria subindo diante da falta da matéria-prima.

O transporte também seria outro setor afetado. Isso porque vários ônibus realizam o transporte dos funcionários entre a cidade e a usina, bem como caminhões transportam carvão e outros insumos.

Há ainda os empregos indiretos gerados nas cidades vizinhas de Aceguá, Bagé, Caçapava do Sul, Hulha Negra, Pinheiro Machado e inclusive no norte do Uruguai.

Âmbar Energia

A Âmbar Energia, empresa que administra a usina Candiota 3, diz que busca medidas para minimizar o impacto socioeconômico decorrente da interrupção da operação da termelétrica, enquanto uma solução definitiva não for encontrada.

“O município de Candiota concentra 40% das reservas nacionais de carvão mineral do país, fonte de energia que contribui para a estabilidade do sistema elétrico, especialmente em condições climáticas adversas, como nas recentes enchentes no Rio Grande do Sul, ou em crises hídricas”.

Entenda o desligamento da usina

A usina Candiota 3 foi desligada no dia 1º de janeiro devido ao encerramento dos contratos de geração e venda de energia. A expectativa era que as atividades fossem retomadas após a aprovação de um projeto de lei sobre energia eólica em alto mar, que incluía a prorrogação da geração de energia a carvão.

No entanto, o projeto foi aprovado com veto do presidente Lula (PT) ao artigo das termelétricas. Agora o veto será analisado pelo Congresso Nacional, que pode aprová-lo ou derrubá-lo. Porém, diante da demora da tramitação no Legislativo, a reivindicação ao presidente é por uma Medida Provisória que trate especificamente sobre a prorrogação das atividades de Candiota 3 até 2043.

Na próxima semana, uma comitiva da cidade irá a Brasília para levar a demanda ao Palácio do Planalto.

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