Tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a Igreja Imaculada Conceição de Jaguarão começa a ressurgir na paisagem urbana do município. Depois do fechamento em 2017, o telhado, parte essencial para a preservação dessa relíquia, está sendo devolvido ao Templo Azul, como é carinhosamente conhecido, totalmente recuperado. A cerimônia que oficializa o fim das obras desta primeira etapa do restauro completo do templo centenário e o anúncio da próxima fase do projeto ocorre neste domingo (8), dia de Nossa Senhora da Conceição, após a missa das 10h.
Orçada em aproximadamente R$ 1 milhão, esta primeira etapa do restauro recuperou o telhado, que ameaçava ruir, danificado por infiltrações de água da chuva que ocasionaram a deterioração da estrutura de madeira e do forro em estuque. O restauro tem o financiamento da Lei Estadual de Incentivo à Cultura (LIC-RS) e tem como patrocinadores quatro empresas locais: o Supermercado Paraíso, Grupo Quero-Quero, Mercado Carlinhos Tradição e Supermercado Povão. O projeto é da arquiteta especialista em restauração de patrimônios históricos, Simone Neutzling, da Perene Patrimônio Cultural, que também faz a coordenação da obra.
Os problemas estruturais da Igreja foram identificados quando começaram a cair pedaços do estuque, que reveste o forro. A moradora Simone Braga Silveira de Ávila e o marido, Régis Grassi, coordenavam a paróquia naquele período. “Tivemos que fechar a Igreja e levar todos os móveis para o salão paroquial (onde estão sendo realizadas as missas), me deu uma tristeza muito grande, acho que chorei uns dois dias”, relembra Simone.
Em princípio era só o estuque, porque o grupo não tinha ideia que o telhado precisava de restauro. Inicialmente tentaram conseguir recursos através do Iphan, porém não foi possível. Mobilizados fizeram campanhas e sorteios para conseguir aos poucos solucionar o problema. “Mudou a coordenação, conseguiram mandar fazer o projeto com a Simone (Neutzling)”, explica Simone Ávila, que retomou a coordenação do projeto em 2019.
Em 2022, o padre Waldeir Paixão Silva, ex-pároco de Jaguarão, teve a ideia de fazer a rifa de uma motocicleta, o que deu muito certo. A proposta foi abraçada pela comunidade, que queria ver salvo o patrimônio. Paralelamente, outras paroquianas começaram o projeto de um brique, que atualmente funciona na antiga casa de Minervina Carolina Corrêa, que fica junto à Igreja.
Os recursos do brique tem auxiliado despesas extras ou urgentes relacionadas ao restauro. “Foram muitas coisas que aconteceram, é uma junção de forças de toda a cidade para salvar a igreja. Conseguimos fechar essa etapa com recursos próprios, da comunidade e de empresas daqui, a gente fica muito agradecido e muito comovido com tudo isso”, diz Simone Ávila.
A segunda etapa, que é a recuperação do forro de estuque da Imaculada Conceição, terá recurso de pouco mais de R$1.219.995,21 milhão, virá direto do FAC, através de projeto aprovado pela LIC Estadual, sem a necessidade de captação. A obra deve começar em fevereiro.
Surpresa e risco
A obra do telhado foi executada pela empresa jaguarense, de Sandro Emerson Gomes da Silva. O restaurador conta que o maior desafio foi conter a possibilidade de desabamento do teto, algo que só foi descoberto depois do início do trabalho. “Eu não sabia que estava tão feio assim, quando a gente abriu aqui viu que tinha perigo de ruir. O madeiramento estava dentro da parede, quando abrimos vimos o tamanho do estrago pela falta de manutenção ou manutenção com material errado”, conta Gomes da Silva.
O restaurador conta que trabalhou com muitos estilos de telhados, mas esta é a primeira vez que restaura um com design ao estilo de um casco de navio. “É uma estrutura complexa, todo o madeiramento é apoiado uns nos outros, mas as bases estavam podres, se esfarelando, o telhado estava no ar. Não sei o que segurou, é porque é igreja, eu acho. Se fosse outro lugar tinha caído”, comenta Gomes da Silva. Durante a obra que começou em janeiro foram retiradas as telhas para análise e limpeza; imunização das madeiras; reforço estrutural no madeiramento existente e instalação das chapas de subcobertura, entre outras ações.
Educação patrimonial
A igreja foi idealizada por Minervina Carolina Corrêa e a construção foi feita com recursos da jaguarense, entre 1909 e 1912. Em princípio era uma capela, ao lado da casa de Minervina, que foi ampliada e, posteriormente, doada à comunidade. Atualmente pertence à Mitra Diocesana de Pelotas.
Os detalhes dessa história foram contados e trabalhados com aproximadamente 100 estudantes que participaram das ações de educação patrimonial, um dos braços do projeto da Perene. As atividades educativas foram realizadas pela professora Suellen Medeiros, historiadora e mestra em educação.
Entre os meses de março e abril, as ações se concentraram em parceria com três escolas municipais, com o IFSul (Campus Jaguarão) e com a Unipampa (Campus Jaguarão). Foram realizadas palestras, atividades de prática em restauração e rodas de memórias.
“Os projetos culturais são isso, nós recebemos um recurso fechado para entregar uma obra, mas tudo é feito com muito esforço para entregar o melhor possível”, diz Simone Neutzling. Para a arquiteta é importante que ocorra este retorno à comunidade. “Isso é fundamental, fazer uma entrega maior do que foi proposto”, fala.
A arquiteta comenta que o objetivo é que cada um dos alunos seja estimulado a propagar os novos conhecimentos sobre patrimônio dentro do seu grupo. Associadas às atividades de educação patrimonial, a Perene também tem investido na informação educativa, que vai desde ações nas redes sociais, até a arte, contando que está estampada nos tapumes da obra.
Aproveitando o movimento cultural, empresários do Grupo Quero Quero tem levado seus funcionários para visitas guiadas pela cidade, terminando na Igreja. “A gente começou pelo museu (Carlos Barbosa), Jaguarão tem uma arquitetura muito bonita, quanto mais a gente ajudar a restauração melhor. Temos que preservar o que temos”, conta um dos sócios, Clóvis da Silva.
Histórico:
- 1861 Em 6 de fevereiro nasce Minervina Carolina Corrêa, filha de Faustino João Corrêa e Maria Carolina Corrêa. Sua família tinha importante projeção social, sendo proprietária de amplas extensões de terras.
- 1903 Colocação da Pedra Fundamental, por Minervina Corrêa, no dia 8 de dezembro, dia do calendário católico dedicado à festa litúrgica de Nossa Senhora da Imaculada Conceição.
- 1909 Jaguarão atinge o seu apogeu econômico com a indústria do charque e com a criação de gado. Foi nesta época do apogeu do Município que Minervina contratou o construtor Joaquim Lino de Souza para trabalhar em sua capela. Em 25 de março foi realizada uma missa campal marcando o início das obras.
- 1912 Final da construção da Capela Nossa Senhora da Imaculada Conceição entre as ruas General Osório e Coronel Deus Dias, um dos trechos do centro histórico da cidade de Jaguarão.
- 1942 Doação formal do Templo à Igreja Católica no dia 7 de fevereiro, data do aniversário de Minervina.