Fabiana Botelho é professora associada de nutrição na Universidade Federal de Pelotas (UFPel), com formação em nutrição, mestrado e doutorado em ciência dos alimentos, e pós-doutorado em Harvard. Coordenou projetos de rotulagem nutricional e participou da criação do curso de gastronomia na UFPel.
Com dez anos de experiência em Alimentação Coletiva e Controle de Qualidade, lançou em 2023 cursos sobre práticas e ciência de alimentos sem glúten. Integra a International Society for the Study of Celiac Disease, com foco em doença celíaca, sensibilidade ao glúten e segurança alimentar.
O que a fez se especializar em desordens ligadas ao glúten?
Sempre me interessei pela doença celíaca, desde a época que fiz graduação, pois me instigava conhecer mais sobre uma doença que o único tratamento era a retirada de uma proteína, o glúten. Na época, a doença era conhecida como “intolerância ao glúten”. Hoje, se sabe que é uma doença autoimune desencadeada pelo consumo de glúten em indivíduos predispostos geneticamente.
Quando comecei a fazer projetos sobre o tema e fiz o pós-doutorado, percebi a grande lacuna dentro dessa área e o quanto precisávamos evoluir nas desordens do glúten. No Brasil, nós temos alguns problemas, como: 1) autodiagnóstico de pacientes que retiram o glúten sem saber o que realmente têm e a falta de diagnóstico correto; 2) profissionais da saúde que acham que a doença celíaca é rara; 3) profissionais que “julgam como moda” não comer glúten.
Quais os principais desafios na produção de alimentos sem glúten?
O principal desafio é o cuidado com a contaminação cruzada. Muitos produtos sem glúten, hoje em dia, não são preparados para as pessoas que mais precisam, pois os cuidados com a contaminação por glúten nos utensílios, ambientes e ingredientes não é considerada, fazendo com que o produto sem glúten não seja verdadeiramente sem glúten. Isso acarreta riscos para a saúde dessas pessoas, pois qualquer traço de glúten pode ativar o sistema imune.
Além disso, a falta de conhecimentos dos profissionais que trabalham nessa área, erros na rotulagem dos produtos, baixa qualidade nutricional dos ingredientes e farinhas utilizadas para substituir o glúten, custo alto e menor variedade desses produtos no mercado.
Como você enxerga o papel da ciência e da regulamentação na evolução do setor de produção de alimentos sem glúten?
O Rio Grande do Sul é pioneiro no Brasil ao estabelecer a legislação que exige que todos os estabelecimentos que produzem alimentos sem glúten realizem treinamentos em Boas Práticas Sem Glúten, assegurando que os processos de fabricação sejam mais rigorosos e seguros. A aplicação desta portaria serve como um exemplo crucial e um modelo que, se adotado pela Anvisa em âmbito nacional, representará um enorme progresso na proteção da saúde de pessoas com doença celíaca e outras desordens relacionadas ao glúten.
A ciência poderá contribuir em relação aos alimentos que podem substituir o glúten, em pesquisas com o potencial de desenvolver alternativas mais saudáveis ao glúten e que mantenham as propriedades tecnológicas e sensoriais dos alimentos, sem comprometer a aceitabilidade e expectativa do consumidor.
Além disso, avanços em técnicas e análises de controle de qualidade são indispensáveis para garantir que os produtos rotulados como “sem glúten” sejam, de fato, seguros para os consumidores.
Esses progressos científicos não só auxiliam no monitoramento e certificação dos alimentos, como também reforçam a confiança e a segurança alimentar das pessoas que necessitam não consumir glúten. A integração entre regulamentação e ciência é, portanto, uma alavanca poderosa para a melhoria constante da qualidade e da segurança dos alimentos sem glúten, promovendo saúde e inclusão para uma parcela significativa da população.