De 1985 a 2023, o bioma Pampa apresentou a maior taxa de degradação da cobertura vegetal original, segundo o Relatório Anual do Desmatamento no Brasil, divulgado na quarta-feira (21). A perda foi de 28% (3,3 milhões de hectares), ficando ao lado do Cerrado, que perdeu 27% de sua área (38 milhões de hectares). No Brasil, ainda há 64,5% do território coberto por vegetação nativa; em 1985 o percentual era de 76%.
O estudo revelou também que mais de um terço dos municípios que estão no Pampa apresentaram perda de parte significativa de vegetação nativa, com mais de 15% de desmatamento. A amostragem histórica de cobertura e o uso da terra indica que dentro da zona ambiental a agropecuária cresceu de 28% para 45% nos últimos 38 anos, enquanto os níveis de desflorestamento aumentaram (veja no gráfico).
Além disso, chama atenção o fato de um quarto da vegetação nativa restante do Pampa (26% ou 2,1 milhões de hectares) ser secundária, ou seja, cresceu novamente depois de ser desmatada. Na Mata Atlântica e no Pampa, o desmatamento de vegetação secundária é maior do que o desmatamento em vegetação primária em 2022. Junto com a Caatinga, os três biomas são os que exibiram maior proporção de vegetação secundária em 2023.
Percepção do especialista
O biólogo, professor da UFPel e pesquisador de espécies de plantas do Pampa, João Iganci, aponta que a perda de vegetação natural é notável no Pampa. Cada vez que retorna ao campo para realizar pesquisas, relata ser mais difícil encontrar áreas naturais. “Isso se reflete diretamente na biodiversidade, onde a maior parte das espécies de plantas que são exclusivas do Pampa, endêmicas como se diz em termos técnicos, está ameaçada de extinção”, explica.
A expansão da agricultura de larga escala, principalmente da produção de soja no Rio Grande do Sul, segundo Iganci, modifica a paisagem e exclui os ecossistemas naturais devido ao uso de defensivos químicos. No entanto, ele ressalta que não se trata de uma dualidade entre conservacionistas e produtores rurais, pois a perda de diversidade faz todos perderem.
“O bioma Pampa, assim como outros biomas brasileiros, possui uma alta diversidade de espécies que são utilizadas para diferentes finalidades ou que têm o potencial de uso, inclusive para a própria agricultura, quando pensamos na resiliência das espécies nativas diante das mudanças climáticas globais e no potencial de uso destas espécies em programas de melhoramento para a produção de alimentos”, justifica Iganci.
Área de conservação insuficiente
O cenário é “realmente preocupante”, segundo o especialista. Ele destaca que o Pampa conta com apenas um parque nacional (da Lagoa do Peixe), que protege a alta diversidade de fauna da região litorânea. Porém, na parte mais típica do bioma, entre campos naturais, afloramentos rochosos e ecossistemas interiores, não há nenhum parque nacional. É esperado que cada bioma tenha pelo menos 30% da área protegida por unidades de conservação.
“O Pampa tem características ambientais únicas em comparação com outros biomas do Brasil. Ao perder a biodiversidade local e substituir as paisagens naturais por agricultura de larga escala e silvicultura, estamos perdendo não só a biodiversidade conhecida atualmente, como também todo o potencial de uso dos recursos naturais que é um patrimônio nacional e que deve ser preservado para as gerações futuras”, defende.
Mapeamento
O engenheiro agrônomo, professor da UFRGS e membro da equipe Pampa do MapBiomas, Eliseu Weber, diz que o cálculo da perda de campo é feito pela diferença da área mapeada como campo em cada ano da série.
Segundo ele, ainda não há um sistema de monitoramento de supressão de campo similar ao das florestas no MapBiomas Alerta, sendo essa uma das inovações pretendidas para o próximo relatório. “Isso vai permitir identificar a supressão de áreas de campo mais rapidamente. No método atual leva um ano ou até um pouco mais. E vai dar mais confiabilidade”, pondera Weber.