No meio do processo de transição para a SAF, o Brasil fez um movimento que conversa com a cultura do clube: renovou com dois jogadores naturais de Pelotas, os laterais Yuri e Otávio, manteve o volante Alan, criado na cidade, embora nascido fora, e garantiu a permanência de Thiago Henrique, também nascido fora, mas formado nas categorias de base. Além disso, o gerente de futebol Hélio Vieira, um nome identificado com o Xavante, também segue no projeto.
À primeira vista, o pacote poderia ser lido como uma sinalização de que, mesmo mudando a estrutura de gestão e planejamento com a chegada do modelo SAF, o Brasil tenta preservar elementos da chamada “identidade Xavante”. Profissionais de conexão com a cidade, o vínculo com a torcida e a ideia de que o clube não pode perder o “jeito” próprio de ser Brasil. Neste caso, porém, as fontes internas não confirmam que exista uma diretriz formal de priorizar atletas locais ou “da cultura do clube”. O que existe, pelo menos até aqui, é a coincidência de renovações com forte marca pelotense acontecendo por motivos bem objetivos.
Na Rádio Pelotense, Hélio Vieira afirmou que as permanências foram tratadas com rapidez para evitar perdas no mercado e destaca que o critério foi técnico. “Essas renovações têm anuência da SAF, mas o critério utilizado foi o desempenho, aquilo que eles mostraram dentro de campo, o rendimento que eles entregaram. Por isso fizemos o mais rápido possível para não perdê-los”, disse o gerente.
O final de ano é de um alto movimento no mercado de transferências, e o Brasil está neste cenário tentando renovar contratos e manter profissionais justamente quando a mudança do modelo de gestão está próxima de um desfecho. Nesta hipótese, manter peças reconhecidas internamente pode funcionar como uma ponte entre os mundos da tradição e da reestruturação.
Do lado do vestiário, o técnico Gilson Maciel, que também teve a permanência garantida na última semana, acrescentou que o calendário pressionou o planejamento: “Muitos jogadores campeões da Copa FGF já estão com contratos com outras equipes, o que está nos trazendo dificuldades. Pois esse ano é um calendário diferente, os estaduais acabam em março, e a Série D na sequência”, afirmou. Na hora de uma oferta, por estar fora do Gauchão, o Brasil só pode oferecer um vínculo para a disputa da Quarta Divisão nacional, iniciando em março, ou empréstimos para outros clubes, como foi o caso das renovações já anunciadas.
Yuri e Otávio, apesar de trajetórias diferentes, carregam o componente óbvio de identificação com o clube e com a cidade. O lateral-direito é filho de uma liderança da torcida organizada Máfia Xavante e assistiu muitos jogos na arquibancada antes de pensar em pisar no gramado do Bento Freitas. O lateral-esquerdo, por outro lado, jogou no Pelotas e no Farroupilha, além de construir uma história no futebol longe da cidade até chegar ao Brasil.
No discurso esportivo, isso costuma ser apresentado como vantagem competitiva, de atletas que conhecem o ambiente, entendem a pressão da torcida e não precisam de um período longo de adaptação. Além de ser um bom elemento de comunicação no discurso institucional. Em fase de mudança, manter nomes ligados à história e ao cotidiano do clube ajudaria a reduzir a sensação de ruptura. A frase de Hélio, no entanto, colocou o freio no que poderia se analisar como um manifesto cultural. O Brasil renovou com quem entregou desempenho e com quem estava disponível dentro de uma corrida contra o tempo.
Nos próximos meses, o desafio será ver se esse padrão se repete quando a SAF estiver mais consolidada no dia a dia do futebol. Além da Série D, prevista para iniciar em 5 de abril, o Brasil irá disputar a Divisão de Acesso, marcada no calendário da FGF para agosto.
