Descriminalização da poda em caso de risco gera alerta sobre cortes ilegais

Proposta

Descriminalização da poda em caso de risco gera alerta sobre cortes ilegais

Projeto aprovado no Senado prevê exceção após 45 dias sem resposta do órgão ambiental

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Descriminalização da poda em caso de risco gera alerta sobre cortes ilegais
Risco de queda terá que ser atestado por um profissional (Foto: Jô Folha)

O Plenário do Senado Federal aprovou, na última quarta-feira (3), o Projeto de Lei 542/2022, que descriminaliza a poda ou o corte de árvores, quando houver risco de acidente e a prefeitura não atender ao pedido em até 45 dias. O texto segue agora para sanção da Presidência da República.

A proposta estabelece que o risco deverá ser atestado por profissional habilitado, que também poderá ser contratado para executar o serviço. Segundo o parlamentar, a demora do poder público em analisar pedidos de corte de árvores coloca em risco a integridade física das pessoas e o patrimônio.

O projeto recebeu parecer favorável do senador Sergio Moro (União-PR). Ele defendeu que a exposição ao perigo, em função da ausência de poda ou supressão, já é motivo para afastar a ilicitude. Para ele, o texto equilibra a proteção ambiental e a segurança da população, concedendo um prazo razoável para manifestação do órgão competente.

Pelotas recebe cerca de 40 pedidos por mês

Na avaliação da Secretaria de Qualidade Ambiental (SQA) de Pelotas, a proposta abre uma brecha perigosa para a realização de cortes indevidos. Conforme o titular da pasta, Márcio Souza, o município recebe, em média, 40 pedidos de poda ou supressão por mês – cerca de 480 por ano. A partir dessas solicitações, são realizadas cerca de 7.026 podas e 630 supressões anualmente.

A diferença entre o número de pedidos e a quantidade de intervenções ocorre, segundo ele, porque uma única solicitação pode envolver várias árvores. Além disso, a secretaria também realiza ações preventivas. “Antecipamos uma situação de emergência em que o vegetal possa oferecer risco à população”, explica.

Hoje, o prazo médio para vistoria ou resposta técnica em Pelotas é de duas semanas e meia a três semanas. Em situações em que há risco iminente, o atendimento ocorre em até três dias, ou até mesmo em 24 a 48 horas, conforme a gravidade. “Dentro de 45 dias, conseguimos dar resposta”, garante Souza.

Risco de laudos falsos

Para ele, a maior preocupação é com a possibilidade de laudos produzidos de forma indevida. “O problema é o risco de o cidadão realizar a supressão indevida antes dos 45 dias, ou mesmo contratar alguém que elabore um laudo ‘sob encomenda’, atestando um risco que pode não existir”, alerta.

Ele reforça que, mesmo quando uma árvore está localizada em propriedade privada, a autorização da prefeitura continua sendo obrigatória. Em caso de fraude, a secretaria pretende encaminhar os casos ao Ministério Público.

Esmiuçando o Projeto de Lei

Responsável pela pasta do Meio Ambiente no MP, o promotor de Justiça Adriano Zibetti explica que a lei criará uma exceção pontual à criminalização do corte sem autorização, mas com critérios específicos. “[Vai ocorrer] o acréscimo de um parágrafo no artigo 49 da Lei nº 9.605/98, prevendo hipótese de exclusão da ilicitude da conduta de quem efetua a poda drástica ou supressão arbórea […] caso não ocorra autorização do órgão ambiental competente no prazo de 45 dias”.

Zibetti ressalta que o pedido ao órgão ambiental continuará sendo obrigatório e que a simples existência de um laudo não afasta a responsabilidade em qualquer situação. “A eventual responsabilidade criminal de quem efetua o corte não será afastada caso constatado, por exemplo, que foi efetuado por profissional não habilitado”, afirma.

Além disso, poderá haver responsabilização civil em casos de poda ou supressão fora das hipóteses permitidas, como as previstas na legislação municipal de Pelotas (Lei nº 4.428/1999).

Impactos ambientais são de longo prazo

O biólogo e mestre em Biologia Vegetal, Péricles Godinho, reforça que o manejo de árvores em espaços urbanos exige uma análise profunda para além do risco imediato. Entre os critérios a serem avaliados estão a origem da árvore, a adequação da espécie ao local, a presença de edificações e a importância ecológica do vegetal.

Segundo ele, a retirada de uma árvore causa impactos significativos, já que seu desenvolvimento leva anos. “Os benefícios das árvores são inúmeros: contenção de solo, sombreamento, abrigo e fonte de alimento para a fauna silvestre, melhoria no microclima”, destaca.
Embora reconheça a dificuldade dos órgãos públicos em responder rapidamente a todas as demandas, Godinho afirma que nem toda árvore considerada de risco precisa, necessariamente, ser removida.

Em muitos casos, o problema está no planejamento urbano inadequado. “São frequentes as situações de edificações mal planejadas (sem prever a convivência com o vegetal)”, observa.
Ele defende que toda decisão seja tomada com base no conhecimento técnico e na experiência de profissionais habilitados, tanto durante o manejo quanto, principalmente, no momento do plantio.

Na prática, a espera pode ser longa

Na rua Barão de Butuí, em Pelotas, a realidade enfrentada por moradores revela como a demora nas podas impacta o cotidiano. Um porteiro de um prédio da via, que não quis se identificar, relata que as intervenções costumam ocorrer quando os galhos atingem a rede elétrica.

Em uma das situações, a espera chegou a cerca de quatro meses após o pedido de poda. Nesse período, galhos passaram a interferir na passagem de veículos e, em um episódio, um caminhão acabou quebrando parte de um galho ao trafegar pela rua.

Para ele, a mudança na legislação pode ser positiva, desde que seja aplicada com responsabilidade. Também chama atenção para o fato de que moradores, em alguns casos, tentam resolver o problema por conta própria e acabam multados. “Quando a gente tenta resolver algo que está nos prejudicando, somos punidos por isso”, resume.

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