MP aciona Justiça para reduzir em 50% emendas dos vereadores de Pelotas

Ação Civil Pública

MP aciona Justiça para reduzir em 50% emendas dos vereadores de Pelotas

Lei que criou mecanismo é inconstitucional, aponta órgão; valor pode cair em R$ 20 milhões

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MP aciona Justiça para reduzir em 50% emendas dos vereadores de Pelotas
(Foto: Jô Folha)

A Primeira Promotoria de Justiça Especializada ingressou nesta terça-feira (18), junto ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (Vara da Fazenda Pública), com uma Ação Civil Pública para reduzir pela metade o valor das emendas impositivas destinadas à Câmara de Vereadores de Pelotas. O propósito é investigar “eventual ilícito relacionado à execução das emendas parlamentares”. A ação, por iniciativa do promotor de Justiça José Alexandre Zachia Alan, pode representar R$ 20.333.897,76 a menos que a Prefeitura terá de repassar aos parlamentares.

No pedido de liminar, em 21 páginas (que o Grupo A Hora teve acesso com exclusividade), o Ministério Público anuncia a instauração do inquérito civil 00824.006.101/2025 e a análise da regularidade da execução das emendas apresentadas em 2024, em aplicação ao longo deste ano. Se todas forem executadas, o total dos valores gastos com esta modalidade alcançará R$ 42.070.133,30, assim divididos: 2% em emendas individuais (R$ 28.046.754,87) e 1% em emendas de bancada (R$ 14.023.377,30).

Para o MP, a tramitação dada pelo município às emendas afronta a Constituição Federal, onde estão previstas. A disposição das emendas individuais no âmbito federal tem limite de 2% da receita corrente do exercício anterior. E essa porcentagem precisa ser dividida entre a Câmara dos Deputados e o Senado, na proporção de 1,55% para os deputados e 0,45% para os senadores.

Para o Ministério Público, essa previsão vale também às outras pessoas jurídicas de direito interno — no caso, os estados e municípios — por força do princípio da simetria. “Isso significa, portanto, que ferem a Constituição Federal as previsões de emendas parlamentares no âmbito dos Estados e dos Municípios, caso as porcentagens utilizadas pelas Constituições Estaduais ou Leis Orgânicas dos Municípios extrapolem os limites produzidos pela Constituição Federal”, aponta o texto da Ação Civil Pública.

O segundo ponto observado refere-se à Lei Orgânica Municipal, que fixa o limite de 2% às emendas individuais. Mesmo que, aparentemente, atenda ao prescrito na Constituição, o MP vê contradição, “pois os dois por cento fixados na Constituição Federal correspondem ao máximo de gastos de emendas apresentadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal. Desse montante, apenas 1,55% compete à câmara baixa. No que concerne aos municípios e aos estados, sua estrutura legislativa é unicameral”.

Assim, o limite das emendas individuais dos vereadores e dos deputados estaduais teria como teto 1,55%, considerando a simetria com a Câmara dos Deputados e não com a integralidade do Legislativo Federal.

Na justificativa, é lembrado ainda que o Legislativo federal é bicameral, função inexistente nos municípios, que se resume aos representantes do povo. “De se concluir, portanto, que a Constituição Federal limitou expressamente as emendas impositivas da ‘casa do povo’ ao patamar de 1,55%. Logo, as emendas impositivas municipais devem ser limitadas ao mesmo percentual”, defende o Ministério Público.

No STF

Na Ação Civil Pública também é citado um caso julgado recentemente pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A Corte deferiu medida cautelar nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade 7.869, envolvendo a Constituição do estado da Paraíba. O órgão reconheceu que “a correta simetria entre o modelo federal e a norma local exige que o percentual a incidir sobre a base de cálculo seja apenas aquele destinado à Câmara dos Deputados (1,55%) e não aquele aplicado ao Congresso Nacional como um todo (2%)”.

Emenda de bancada

O promotor destaca que a previsão de emendas de bancada diz respeito à possibilidade de grupos parlamentares ligados aos estados ou ao Distrito Federal apresentarem, conjuntamente, indicações aos interesses regionais representativos. E a previsão local destoa dessa realidade. Para Zachia Alan, a Lei Orgânica de Pelotas “apelidou de emenda de bancada construção jurídica que nada tem com as emendas de bancada previstas na Constituição Federal. Portanto, da mesma maneira como apontado com relação às emendas individuais, há inequívoco ferimento do princípio da simetria e, portanto, da Constituição Federal”.

Também sobre isso, o Supremo, a exemplo do caso das peças individuais, examinou o tema e suspendeu a eficácia de disposição da Constituição do Mato Grosso do Sul, valendo-se dos mesmos argumentos.

Pelotas

Por esses argumentos, o MP considera os artigos 108-A, § 8º e § 11, da Lei Orgânica Municipal de Pelotas, inconstitucionais. O primeiro parcialmente, porque estabelece limite para emendas individuais acima do permitido pela Constituição Federal; e o segundo integralmente, ao criar espécie de emenda que não encontra paralelo na Constituição.

Assim, pede ao Tribunal de Justiça a expedição de liminar e a declaração de inconstitucionalidade parcial do primeiro dispositivo e total do segundo. E que o município de Pelotas seja condenado a não pagar valores das emendas parlamentares individuais que extrapolem o montante de 1,55%, realizando a redução proporcional de cada uma delas já apresentadas; e a não pagar quaisquer valores correspondentes às de bancada.

“Em outras palavras, caso indeferida a medida liminar, mais de R$ 20 milhões serão gastos pelo município de Pelotas, em franca violação ao disposto na Constituição Federal, valores que jamais retornarão ao erário”, reforça o texto apresentado nesta terça-feira ao TJ-RS.

O que pede a Ação

  1. Expedida a notificação prevista no artigo 2º da Lei 8.437/92, para que o município, querendo, manifeste-se no prazo de 72 horas;
  2. Expedida liminar para determinar que o município despenda, no máximo, 1,55% para as emendas individuais e não realize qualquer gasto a título de emendas de bancada;
  3. Deferida a produção de todos os meios de prova, julgando-se a ação procedente, para declarar inconstitucionais os artigos 108-A, § 8º e § 11, da Lei Orgânica Municipal de Pelotas — o primeiro parcialmente, por estabelecer limite para emendas individuais acima do permitido pela Constituição Federal; e o segundo porque cria espécie de emenda que não encontra paralelo na Carta da República.

Novas fases pela frente

A contestação feita pelo Ministério Público constituiu-se na primeira etapa de um movimento que deve levar a análises mais profundas dos investimentos das emendas em Pelotas, e chegar até mesmo à fiscalização de todos os projetos contemplados com os recursos distribuídos pelos parlamentares até agora.

A administração de parte do dinheiro dos municípios pelas Câmaras tornou-se um debate nacional, numa repetição, nos níveis municipais, do que acontece no Congresso, a partir do estabelecimento dessa ferramenta pela Constituição de 1988. Em vigor em Pelotas desde 2022, a construção do texto garantiu aos vereadores a possibilidade de apresentar propostas à Lei Orçamentária Anual (LOA).

Contestação

O repasse de recursos para os vereadores darem destinação específica vem sendo alvo de polêmica na cidade. O prefeito Fernando Marroni (PT) chegou a escutar ameaças de impeachment no primeiro semestre, caso não liberasse os valores. No mês de maio, porém, a Procuradoria-Geral do Município (PGM) obteve liminar junto ao TJ-RS, que tornou sem efeito a Emenda 100 da Lei Orgânica, responsável por impor à Prefeitura a execução das emendas impositivas do Legislativo já no primeiro semestre de cada ano. A decisão foi assinada pelo desembargador Armínio José Abreu Lima da Rosa e aumentou a tensão entre os dois poderes.

Pelotas tornou-se mais um município brasileiro a dispor dessa peça orçamentária em 2021. A primeira experiência com a administração de verba pública pelos vereadores aconteceu no ano seguinte, quando os 21 parlamentares tiveram o direito de definir a aplicação de parte do orçamento municipal, em valores fixados em R$ 300 mil para cada um — obrigatoriamente, a metade sempre precisa ser destinada à saúde. Para 2026, o orçamento prevê R$ 47,5 milhões em emendas impositivas.

O que diz a prefeitura

A secretária de Governo, Miriam Marroni, conversou com o jornal A Hora do Sul e disse que o impasse de Pelotas encontra reflexo também em outros municípios brasileiros, onde as prefeituras — já com sérias dificuldades financeiras — passaram a ter que abrir mão da decisão de como investir parte dos recursos. Na sua opinião, é preciso uma decisão federal para dar tranquilidade aos gestores responsáveis por fazer a administração dos recursos públicos.

O que diz a Câmara de Vereadores

O presidente do Legislativo pelotense, vereador Carlos Júnior (PSD), disse estar surpreso com a iniciativa do Ministério Público. O texto da Ação Civil Pública será avaliado pela Procuradoria da Casa para posteriores comentários.

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