No final daquela tarde de novembro de 2014, eu aguardava a abertura da “Petite Salle” do “Centre Pompidou” para assistir o Colóquio Internacional “Filosofar em línguas”, evento comemorativo aos dez anos de publicação do Vocabulário Europeu das Filosofias. Dicionário dos intraduzíveis (Le Seuil/Le Robert, 2004). Obra vertida para vários idiomas, incluindo o árabe e o russo, ela estava também em vias de tradução nas línguas chinesa, grega e persa. A tradução brasileira estava a cargo de Fernando Santoro e de Luísa Severo Buarque de Holanda, ambos professores de filosofia em universidades do Rio de Janeiro.
Sentado no grande saguão do “Centre Pompidou”, eu era testemunha do quanto a obra organizada por Barbara Cassin ajudava em pesquisas de filosofia. No interior da Biblioteca Nacional da França, quando fazia um doutorado-sanduíche entre 2007 e 2008, eu encontrara nela uma fonte segura sobre o significado do termo grego Aiôn (algo que explorei num capítulo da tese intitulado Tempo e Eternidade). De retorno à França em 2014 para um pós-doutorado, eu encontrara Bruno Conte, estudioso de Parmênides, que me convidara para prestigiar o evento. Enquanto esperava por este amigo, vi Chico Buarque de Holanda conversando com alguém, próximo à entrada do auditório.
A primeira reação que tive veio na forma de um duplo pensamento: “Que oportunidade para cumprimentar o Chico… Mas, sou avesso à tietagem!”. E ali fiquei, imóvel (te conto agora, Meu Caro Amigo, e Para Todos os que estão aqui: imóvel, mas internamente numa Roda Viva, entre aquele Cálice do meu orgulho e a Gente Humilde de minhas memórias da Banda, da Carolina e dos Futuros Amantes). Nesta ambivalência e indecisão, meu si-mesmo saltou sobre meu superego e disse: “Luís, levanta e vai lá cumprimentar o cara!!!”. Ante o imperativo, cedi. Aproximei-me, pedi desculpas por interferir na conversação, e Chico, muito educado e sorridente, estendeu-me a mão. Perguntou de onde eu era, falei que vinha do Sul, que ia publicar uma obra sobre Vitor Ramil e umas poucas coisas que não lembro mais. Ele disse que conhecia Pelotas. Despedi-me rapidamente e, suando, entrei no auditório que acabara de abrir.
Durante esta primeira noite do evento, a filóloga, helenista e filósofa Barbara Cassin, organizadora do Dicionário dos Intraduzíveis, fez a abertura. Em determinado momento pude ver que Chico Buarque acompanhava tudo com bastante atenção. Ao final do evento acho que ele já não estava mais ali. Meu amigo Bruno Conte, que conhecia Luísa Severo Buarque de Holanda, ficou conversando com ela, que em seguida nos convidou para um coquetel de boas-vindas organizado pelo Congresso, que teria lugar num bistrô próximo. No “Paris Beaubourg”, permanecemos horas agradáveis em companhia de Luísa Buarque e de outros estudiosos.
Vejam a coincidência: em outubro de 2014 eu havia revisado os textos que deveriam ser publicados no terceiro volume do Almanaque do Bicentenário de Pelotas, dentre os quais o do jornalista Diego Queijo, intitulado “Pelotas, centro de outra história da música popular brasileira (1960-2012)”. Nele, Diego comentava que Chico Buarque apresentara-se no Teatro Guarany em 1973, e que novamente retornou à cidade em 1988, para participar do festival Latino Música. Dentre as fotos a serem publicadas com o texto, havia uma cuja descrição é seguinte: “Chico Buarque, fardado com o uniforme do Esporte Clube Pelotas, durante descontraída partida de futebol no Parque Tênis Clube”.
De retorno ao Brasil no início de 2015, lembro de ter conversado por volta de 2023 com minha ex-professora, Ursula Rosa da Silva, então Vice-Reitora da UFPel, e perguntado a ela se não seria possível trazer Chico Buarque a Pelotas para dar-lhe um título Doutor Honoris Causa pelo conjunto de sua obra. Tempos depois fiquei sabendo que o professor doutor Pedro Moacyr estava propondo à UFPel um título em homenagem ao artista, que também é autor de obras literárias como Estorvo, Budapeste, Leite derramado e o Irmão Alemão.
No início de 2025 em férias em São Paulo, e em agradável companhia, comprei Bambino a Roma, de Chico Buarque. Li a obra em poucos dias e fiquei maravilhado com a história. E aqui pergunto, caras leitoras e leitores, aos honoráveis membros do Conselho Universitário e a nossa magnífica Reitora da UFPel se seria possível prestarmos uma homenagem acadêmica a este artista maior da cultura brasileira, atualmente com oitenta e um anos de idade. Lembremos que se em Bambino a Roma Chico Buarque tenta reconstruir o período em que viveu na Itália quando criança, ele para lá retornaria em autoexílio em 1969 – mesmo ano em que foi criada a Universidade Federal de Pelotas.