O setor público federal no Brasil ignora a importância da acessibilidade digital para públicos com limitações. O problema emergiu na fiscalização realizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em 288 organizações, que identificou graves falhas responsáveis por dificultar o acesso de pessoas com deficiência a portais e soluções online.
O trabalho foi abrangente. Foram analisadas quase 300 unidades dos três Poderes da União e do Ministério Público da União. Passaram por avaliação 283 portais, 253 serviços ou sistemas públicos e 98 aplicativos de celular. Foram considerados aspectos como governança, capacitação, cultura organizacional, atendimento, transparência e critérios técnicos no desenvolvimento e na oferta de portais, serviços digitais e aplicativos móveis.
E aqui estão os pontos mais graves apontados:
88% das organizações apresentaram nota abaixo de 5, numa escala de 0 a 10.
85% não monitoram a evolução da acessibilidade digital ao longo do tempo.
70% não promovem testes de acessibilidade antes de lançar novas soluções digitais.
68% não estabelecem requisitos de acessibilidade digital nas contratações públicas.
43% declararam adotar o Modelo Brasileiro de Acessibilidade de Governo Eletrônico (eMAG).
40% não seguem qualquer norma técnica de acessibilidade digital.
31% adotam as Diretrizes Internacionais de Acessibilidade para Conteúdo Web (WCAG).
Tanto o eMAG quanto o WCAG estão previstos em legislações: o primeiro, na Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência e no Modelo de Acessibilidade de Governo Eletrônico; o segundo, nas Diretrizes de Acessibilidade para Conteúdo Web, do World Wide Web Consortium (W3C).
Como forma de aprimorar a formulação de políticas públicas no Executivo, no Legislativo, no Judiciário e no Ministério Público, para estimular o avanço de um serviço que hoje não existe ou existe sem atender plenamente ao que se espera, os dados brutos do levantamento serão encaminhados a órgãos como a Secretaria de Governo Digital, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e a Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (SEST).
O balanço contrasta com as informações do site Governo Digital, onde a acessibilidade é tratada como “a eliminação de barreiras na Web” e pressupõe portais “projetados de modo que todas as pessoas possam perceber, entender, navegar e interagir de maneira efetiva com as páginas.” Num país em que 45 milhões de pessoas apresentam ao menos uma deficiência (23,9% da população, IBGE), saber que 85% das organizações públicas federais ignoram a evolução dessa necessidade confirma o quanto estamos longe da democracia do acesso.
Felizmente, esse muro invisível foi descortinado, o que pode levar a mudanças positivas.