Treinar o Brasil era um desejo antigo de Emerson Cris, como ele próprio destacou em março. Passados quase três meses da chegada ao Xavante, o técnico de 47 anos mantém a visão positiva sobre o clube – um “gigante adormecido”, em suas palavras. A diferença é que agora o comandante do quinto colocado do grupo A8 da Série D após nove das 14 rodadas já viveu na pele a dificuldade causada pela situação financeira do Rubro-Negro.
Em uma entrevista exclusiva concedida na terça-feira (17) ao A Hora do Sul no Bento Freitas, o treinador abriu o jogo sobre salários atrasados e empecilhos estruturais que afetam o trabalho. Ele voltou a exaltar a diferença em relação a alguns rivais na competição nacional, mas fez questão de ressaltar a entrega e a qualidade do elenco. Cris confia no acesso do Brasil à Série C.
Confira a entrevista, concedida um dia antes do grupo de atletas do Rubro-Negro deflagrar greve de treinos em função dos salários atrasados.
A tua análise das vitórias não mudou muito em relação a algumas análises pós-jogo de derrotas. O que foi o diferencial para conseguir os resultados?
O futebol hoje está muito equilibrado, você define o jogo em detalhes. O resultado mascara muita coisa, tanto positiva como negativa. A gente falhou em alguns jogos ali em detalhes que a gente havia avisado os atletas. O nível de concentração tem que ser o tempo todo. A gente perdeu para o São Luiz em uma bola parada, que a gente tinha alertado que é ali que a bola entra. No gol contra o Marcílio Dias que nós tomamos aqui, foi uma bola que a gente alertou eles.
Não estou falando que é culpa dos atletas. Principalmente quando se alerta, são coisas pontuais. A gente sempre pontua três ou quatro situações que ali eles têm que ter um nível de atenção maior ainda. Vou dar um exemplo, o Edinho lá no jogo do Azuriz [derrota por 1 a 0]. Eu falei: ‘se der um espaço para o Edinho, ele vai fazer um gol’.
Tem muita qualidade. O jogo em si foi equilibradíssimo, a gente teve bola na trave, uma chance que o goleiro defendeu. Tirando isso, não foi nenhum jogo espetacular para nenhum dos dois lados. Quando você perde, o cara começa a pensar ‘ah, mas o time não jogou bem’. Mas e o outro time? O que fez para merecer a vitória? Nada, só que ele teve uma bola ali que foi mais eficiente. O próprio São José, que foi o único jogo que teve uma diferença [derrota por 3 a 1], é uma jogada ensaiada deles que a gente treinou para anular e eles fizeram o gol. Bola aérea de segundo pau em cima do Giovane [Gomez]. [Nos últimos jogos] A gente criou situações. Mudou a batida de escanteio, o batedor, a movimentação, então algumas coisinhas a gente faz para tentar uma certa superioridade. Nossa preparação foi muito tardia.
Essa questão da parte física, tática e de entrosamento, a gente sabia que durante a competição ia ter crescimento. A gente teve a infelicidade de perder muitos atletas. […] Se você tem um grupo mais homogêneo, tem uma chance maior, porque as peças de reposição são tão importantes quanto aquelas que começam.
São duas semanas até o próximo jogo. Como tu vê esse período?
Era para ser um ponto crucial para nós. Mas a gente já está com dificuldade. Hoje [terça] não temos lugar para treinar, de novo. Não vamos treinar porque não temos campo. Amanhã [quarta] não sei também. A gente perde muito na estrutura. Compara com os outros. A estrutura do Barra, do Marcílio Dias. Orçamento, peças de reposição. O que os caras estão se mobilizando. Joinville… estão colocando dez, 12 mil pessoas no estádio. O que estão fazendo para conseguir essa classificação é absurdo.
Tinham bicho dobrado para ganhar da gente. E a gente tem as nossas dificuldades. Não tem uma academia para treinar hoje. Nosso vestiário, quando chove, encharca todo. Não tem campo, academia. Não tem estrutura. Está deixando a desejar muito. Isso que as pessoas que estão aqui estão se desdobrando para dar o mínimo. Nosso departamento médico, fisioterapia, estão se desdobrando, mas falta muito recurso.
Existe conversa com a direção para tentar mudar isso? E o que mais vocês enfrentam no dia a dia que o torcedor não sabe?
O principal é isso. O mínimo de estrutura para tentar equilibrar essa conta. Nosso campo de jogo não está bom. O rapaz que cuidava foi embora. O Alex recebeu uma proposta do Caxias e foi. O cara que tinha um zelo pelo campo. Por falta de pagamento, de estrutura, por pedir as coisas e não ter. O momento ruim que o Brasil está passando vem lá de trás, de outras situações ruins que aconteceram.
A gente tinha que encontrar uma solução, aparecer alguém no decorrer para ajudar a gente. Arrumar um campo… Esse período [duas semanas] é fundamental para manutenção e ganho de força para que os atletas suportem a competição, ainda mais agora que vai ter mais frio, mais chuva, mais campo pesado. Tem que ter ganho de massa muscular para terminar a competição com uma condição boa já pensando lá na frente. E a gente não tem. É recurso mesmo. Nossos salários estão todos atrasados. E essas coisas fazem muita diferença.

“É um gigante adormecido, e quem não gostaria de fazer parte de um projeto desses? Todo mundo”, disse Emerson Cris (Foto: Jô Folha)
Fala-se muito da possibilidade de transformação em SAF. Tu vem de um estado [SC] com vários clubes com SAF. Estava no Azuriz (PR). Qual é tua opinião, prós e contras?
É ruim opinar sobre isso. No Rio Grande do Sul tem dois exemplos. O Futebol com Vida, que desistiu da competição, e o Monsoon, que da mesma forma que surgiu, já não tem mais. Tem os dois lados. Se pegar um grupo bacana aí como têm alguns clubes, como o Red Bull, que deu certo, o próprio Botafogo, aí tudo bem. Foge da minha alçada, mas tem que analisar bem que tipo de grupo é esse, quais são as reais intenções. O que me deixa triste é quem deixou o clube chegar nessa situação.
Porque o Brasil, com o nome que tem, a força, a história, a torcida que tem… Como vários anos conseguiu se manter? Porque teve algumas pessoas no decorrer desse caminho que não pensaram no clube, só pensaram em si próprios, com segundas intenções, usaram o clube como alavanca para alguma ascensão política ou social. E agora está no que está.
Queira ou não queira, você tem os patrocínios, as cotas da CBF da competição. É remanejar bem essas receitas e dar o mínimo de condição. Você tem a oportunidade de fazer hoje, não precisa fazer amanhã. A gente está numa Série D, tem condições de conseguir o acesso. Que bacana seria.
Vocês falam internamente que o acesso é uma realidade? Um objetivo real? Ou falar nisso é até, de certa forma, iludir o torcedor?
O meu discurso com os atletas sempre foi esse. A gente tem um grupo jovem, de meninos sonhadores e de qualidade. Se acreditarem nisso, é possível. O ser humano consegue coisas inimagináveis, desde que queira de coração. E a gente está em busca disso. Para muitos, essa questão de estrutura a gente tem que superar e usar como combustível para tirar mais força e garra.
Para que consigam uma ascensão na carreira e encontrem uma situação mais favorável. Viver essa realidade que eles estão vivendo aqui é complicado, mas se aprenderem a dar valor para cada conquista… Imagina uma molecada dessa que, com tudo isso, está tendo chance, fazendo bons jogos. Futebol é pequenos detalhes. Uma logística bacana, um campo de treino. Muitas das lesões que a gente teve foi por não ter treinado em campo adequado. Deslocamento para esse campo, a qualidade desse campo.
Tenho que mudar vários trabalhos que tenho em mente porque não tem uma trave móvel. Não pode chutar atrás do gol porque a bola vai no rio e você perde a bola [alguns treinos foram no campo do Retiro]. Não pode fazer um trabalho de finalização, tem que remanejar. Aí o piso é duro, irregular. Você pisa e vem dor na lombar, posterior. Pega uma academia com aparelhos bacanas e dá uma sequência de trabalho bacana bem específica para suas necessidades. Se não tem, precisa adaptar.

Time vem de duas vitórias na Série D, a última delas sobre o Marcílio Dias (Foto: Vica Bueno – CNMD)
Por conta dessas dificuldades, tu chegou a pensar em sair?
Não. Quando vim, já sabia dessas dificuldades, e tentamos formar o elenco com meninos mais jovens de sonhos grandes. Durante a caminhada, você fica chateado porque há cobrança, situações que nos deixam chateados, muita gente não sabe da realidade que a gente enfrenta. Muitos atletas vieram porque eu fui atrás, trouxe eles e vendi essa ideia.
Não posso deixar eles na mão. Claro, se a diretoria tomasse uma decisão, não teria o que eu fazer, mas não foi o que aconteceu. Permaneci no cargo, acreditando no processo. Sempre a gente trabalhou forte, com pé no chão, humildemente. Em nenhum momento isso [saída] passou pela minha cabeça, mesmo acontecendo coisas chatas. Futebol é isso, infelizmente estou acostumado.
Trabalhei em outras equipes que não tinham essa condição. Ano passado eu estava no Concórdia, uma estrutura muito parecida, mas estávamos liderando a competição [Série D]. Saí de lá por uma desavença, acabou que fui demitido. É acreditar no trabalho.
Imagina um futuro a médio ou longo prazo no Brasil?
Tinha recebido uma sondagem lá atrás, quando o Brasil estava em uma situação bem melhor, e isso me deixou muito empolgado. Infelizmente não aconteceu. Sempre foi um sonho vir trabalhar aqui, vim várias vezes como atleta e profissional do futebol. Toda vez que vinha era estádio cheio, torcida vibrando, sempre um ambiente que nós, que trabalhamos no futebol, adoramos.
Infelizmente chegamos em um cenário em que a gente coloca 900, mil pessoas no estádio. Isso me deixou triste quando vi a realidade de academia, estrutura. Por outro lado, é um gigante adormecido, e quem não gostaria de fazer parte de um projeto desses? Todo mundo. Mas tem que ser transparente e, a partir desse momento, você cria credibilidade. Isso que tem que plantar aqui, transparência para gerar credibilidade, para as pessoas acreditarem no processo.
[…] O que dá certo é esses atletas que criam essa relação com o clube. Hoje temos cinco ou seis meninos da base treinando, mais uns três ou quatro meninos que são da cidade integrando o elenco e isso vai fazer uma diferença muito grande. Começa a criar um vínculo. O resultado começa a vir, a diretoria começa a te passar uma transparência de tudo aquilo que está acontecendo, você já vai criando uma credibilidade.
As pessoas vão chegando, entendendo que o processo é esse, vão agregando coisas e aí sim, você pode fazer uma retomada bacana daquilo que o clube permite. Porque [o Brasil] é muito grande. As coisas bem feitas aqui iriam trazer uma grandeza muito grande para o clube e a cidade.
Trabalhei muito tempo na Chapecoense. Quando cheguei [como jogador], o estádio e o futebol praticamente não existiam. Fomos lá para disputar uma competição que valia vaga para disputar a Série D. Tínhamos que ser campeões. O campo era horrível… e a cidade de Chapecó é muito menor que Pelotas. Mas aí a sociedade em si abraçou, a prefeitura também estava junto, e hoje é um clube de uma grandeza gigante. Tudo depende do pontapé inicial de pessoas que estejam envolvidas com transparência e credibilidade.