“O nosso público alvo não é Pelotas, é o mundo inteiro”
Edição 19 de julho de 2024 Edição impressa

Sexta-Feira20 de Setembro de 2024

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“O nosso público alvo não é Pelotas, é o mundo inteiro”

Professor Cesar Victora, da Epidemiologia da UFPel, entra para o Royal Society, uma das mais importantes e antigas associações honoríficas de ciência no mundo

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“O nosso público alvo não é Pelotas, é o mundo inteiro”
Victora está no rol dos mais importantes cientistas do mundo. (Foto: Divulgação)

O trabalho de 40 anos de vida acadêmica e a vasta produção científica que gerou um olhar universal para a saúde infantil através da amamentação e da curva de crescimento coloca o epidemiologista Cesar Gomes Victora no rol dos mais importantes cientistas do mundo, ao ser eleito para o Royal Society. Recém chegado da Inglaterra, o professor da Universidade Federal de Pelotas conta a importância de seu trabalho. Victora é ex-presidente da Associação Epidemiológica Internacional (IEA) e atua como consultor de órgãos internacionais como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).

O que motivou o senhor a fazer a pesquisa da amamentação?

Em 1977 deixei minha residência médica em Porto Alegre para vir trabalhar no primeiro posto de saúde criado em Pelotas, na vila Municipal, e dar aulas de Epidemiologia na Universidade Federal. Após fazer doutorado na Inglaterra voltei para Pelotas e comecei a trabalhar com o doutor Fernando Barros, em 1980. Foi ele quem criou a Coorte de 1982 e, como tínhamos o mesmo orientador na Inglaterra, passamos a tocar juntos a pesquisa com financiamento do Canadá, da Inglaterra e da OMS. Em 1985 eu fiz a pesquisa que mais contribuiu para esse prêmio e outros que ganhei: a importância da amamentação exclusiva para reduzir a mortalidade infantil. Teve muita repercussão, foi confirmada por outros estudos em diferentes países e levou OMS e Unicef a recomendar o aleitamento exclusivo, ou seja, somente leite materno até os seis meses de vida. Cerca de 140 países adotaram a recomendação, incluindo países ricos, como Inglaterra, Estados Unidos, os países do norte da Europa e sem falar nos países da América Latina, da África e Ásia. Com as coortes de Pelotas, demonstramos a importância dos primeiros  mil dias (da concepção até o segundo aniversário) sobre a saúde e o desenvolvimento mental durante toda a vida dos indivíduos. Um dos principais resultados foi documentar que crianças amamentadas se tornam adultos mais inteligentes e produtivos. É um estudo único no Brasil, e um dos poucos existentes em todo o mundo.

Como explicar a eficácia da Coorte em Pelotas e demais países que a implementaram?

Pelotas recebeu de braços abertos a pesquisa e as taxas de recusa são baixíssimas. Outros países se impressionam como a gente consegue acompanhar pessoas por um longo período de tempo, com pouquíssimos recursos nas fases iniciais do projeto. Recebemos  apoio  da Universidade Federal de Pelotas e contribuímos treinando muitos pesquisadores e professores, que hoje atuam nas universidades de Pelotas e no serviço de saúde. Então, acho que nós retribuímos para a cidade pelo que ela nos proporcionou.

O senhor tem dimensão do impacto do seu trabalho na vida de mães brasileiras?

Quando se faz uma pesquisa nessa dimensão, o impacto global é tanto ou maior que na cidade em que ele foi realizado. O nosso público alvo não é Pelotas. Nosso público alvo é o mundo inteiro. A saúde pública no mundo. Mas nós ajudamos a melhorar bastante os indicadores de Pelotas. Quando nós começamos a pesquisa, a mortalidade infantil era de 40 por mil, ou seja, 4% das crianças morriam no primeiro ano de vida. Agora ela é cerca de dez por mil ou 1%. Caiu quatro vezes. A subnutrição era muito comum e hoje em dia praticamente não está presente entre as crianças de Pelotas. A amamentação durava menos de três meses em média. A duração agora é de mais de 12 meses, ou seja, quatro vezes maior. Mas creio que a nossa maior contribuição tenha sido em nível global, uma vez que a pesquisa do leite materno influenciou tantos países.

Qual a pesquisa que o senhor acha que foi bastante relevante dentro do seu trabalho acadêmico?

Quando eu comecei a trabalhar na OMS como consultor percebeu-se que as curvas de crescimento da criança – aqueles gráficos usados nos postos de saúde – eram baseadas em crianças não amamentadas, o que não refletia a realidade. Nós, junto com outros países, iniciamos a pesquisa aqui em Pelotas e que depois foi feita igualmente nos Estados Unidos, Noruega, em Gana, na Índia e nos Emirados Árabes, com o propósito de criar uma nova curva que hoje é adotada em 150 países. Isso é muito importante,  pois a curva usada de referência no mundo atualmente foi criada aqui em Pelotas, juntamente com os outros cinco países.

Como foi para o senhor ser eleito para a Royal Society do Reino Unido?

O prêmio é um reconhecimento do nosso trabalho. A sociedade foi criada em 1660 a teve membros como Newton, Darwin, Einstein, Stephen Hawkings, Marie Curie. Todos os grandes cientistas do mundo que você pode pensar já foram membros. Para mim, foi uma grande emoção porque ao ser empossado, lá em Londres. Os novos membros  assinam com caneta tinteiro um livro com folhas de pergaminho  criado em 1660, com uma das mais de 300 paginas para cada ano. Eu tive a honra e a emoção também de assinar no livro onde já assinaram essas pessoas todas tão importantes.

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