Desde o dia 18 deste mês, um grupo de tropeiros percorre a região em uma jornada que deve chegar a mil quilômetros e atravessa séculos de história. Montados a cavalo, enfrentando sol, chuva e longas distâncias diárias, eles partiram de Santa Vitória do Palmar rumo a Vacaria , refazendo antigos caminhos do tropeirismo — atividade que esteve na base da formação econômica, social e cultural do Estado e do Brasil.
Na manhã de sábado (27), o grupo realizou uma parada na divisa do município do Rio Grande com Santa Vitória do Palmar, onde foi recepcionado pela prefeitura e o Sindicato Rural local.
Nesta terça-feira (30), o grupo de tropeiros chega ao Sindicato Rural do Rio Grande, onde será recepcionado pela direção e CTGs do Município. Eles devem ser recebidos, também, pela prefeita Darlene Pereira. A passagem de final de ano do grupo vai ser no Rio Grande. Em seguida, seguem em direção a São José do Norte para dar prosseguimento ao longo trecho.
Resgate histórico
A chegada dos tropeiros simboliza mais do que uma simples travessia territorial. Trata-se de um resgate histórico de uma prática que remonta ao início do século 18 e que teve papel fundamental no desenvolvimento do Rio Grande do Sul. “Estamos falando da primeira atividade econômica vinculada ao município do Rio Grande, que começou por volta de 1700 e pouco. A pecuária foi, e segue sendo, uma das grandes alavancas econômicas da nossa região”, disse o presidente do sindicato rural, Leandro Cruz Freitas. De acordo com ele, o tropeirismo está diretamente ligado à origem do agronegócio no Estado. “Naquela época, o gado vinha principalmente da região da Colônia do Sacramento, hoje Uruguai, passava por aqui — região conhecida como Vacaria del Mar — e seguia até Sorocaba (SP), onde ocorriam grandes feiras e leilões. Hoje fizemos isso com caminhões e estradas, mas esse movimento nasceu a cavalo”, explicou.
Associação “Crina”
A liderança do grupo de tropeiros é atribuída a Adalberto Rodrigues Clavijo, de 63 anos, morador de Santa Vitória do Palmar e um dos fundadores da Associação Cultural Sociedade Crioula Nativista, ou simplesmente “Crina”, criada em novembro de 2024. Ele afirma que a ligação com o tropeirismo vem da infância e da vivência familiar na região do Albardão e da Praia do Hermenegildo. “Ou a gente se adaptava à tropa, ou não sobrevivia. Era assim. O gado se espalhava por quilômetros, e às vezes levávamos dez dias só para reunir uma tropa”, relembrou.
Iniciada no Passo do Chuí, a atual tropeada seguirá até o 36º Rodeio de Vacaria, passando por diversos municípios do Estado. O grupo é formado por 12 tropeiros, que conduzem nove cavalos e duas mulas, percorrendo entre 20 e 38 quilômetros por dia, conforme o terreno. O suporte é feito por um caminhão de apoio, que transporta alimentação e equipamentos, incluindo camas.
Ele cita que a diferença entre cavalgada e tropeada está justamente no propósito. “A cavalgada é pontual. A tropeada é deslocamento, é transporte, é continuidade. Historicamente, existiam as tropas de gado aqui no Sul e as tropas de mulas, mais comuns do centro do país para cima, que levavam mercadorias entre comunidades. Estamos resgatando um pouco de tudo isso.”
Continuidade

(Foto: Divulgação)
A preocupação com a continuidade do movimento é um dos pilares da iniciativa. Esse movimento já começa a ganhar projeção regional e Clavijo conta que há conversas em andamento para a criação de uma associação voltada ao tropeirismo em nível regional, envolvendo municípios da Zona Sul e da Fronteira Sul. “Fomos procurados por um prefeito que demonstrou interesse em construir essa associação conosco. A ideia é unir forças e dar estrutura a esse resgate cultural”, afirmou.
Outro avanço significativo do movimento está no campo institucional. Dos 17 municípios que o grupo percorreu em uma tropeada experimental, ano passado, apenas Bom Jesus possui legislação instituindo o Dia do Tropeiro. A partir da articulação dos tropeiros, projetos foram apresentados às demais prefeituras, que aderiram à causa. No Rio Grande, a lei foi instituída, estabelecendo o Dia do Tropeiro em 22 de abril.
Rota Tropeira de Cultura e Turismo
A iniciativa abre caminho para um projeto ainda mais amplo: a criação de uma Rota Tropeira de Cultura e Turismo, ligando os Campos Neutrais aos Campos de Cima da Serra. “Essa rota não é nossa, é de todos. Pode ser percorrida a pé, de bicicleta, a cavalo, de moto, de carro ou em trilha. O importante é preservar o caminho, a história e a identidade que ele carrega”, concluiu Clavijo.