Candeeiro das águas: Otroporto ajuda a transformar o cenário portuário de Pelotas

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Candeeiro das águas: Otroporto ajuda a transformar o cenário portuário de Pelotas

Com gestão profissional e aporte de recursos públicos via leis de incentivo, a associação consolida-se como um polo de inovação social, educação e pertencimento na Zona Sul

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Candeeiro das águas: Otroporto ajuda a transformar o cenário portuário de Pelotas
(Foto: Valder Valeirão)

As águas do Canal São Gonçalo, que banham Pelotas e Rio Grande, sempre foram o motor da economia regional. Porém, há algumas décadas, as margens do Quadrado e das Docas em Pelotas passaram a carregar o peso do abandono e do silêncio industrial. Esse cenário começou a mudar drasticamente na segunda metade da segunda década dos anos 2000. O que surgiu como um movimento sensível de requalificação, impulsionado pela ampliação operacional do Porto e pelo aporte de empresas como Sagres e CMPC Brasil, floresceu em uma das iniciativas mais potentes de economia criativa do Rio Grande do Sul: a Associação Otroporto Indústria Criativa.

A Otroporto surge no contexto de revitalização da orla portuária de Pelotas, comenta o diretor de projetos, Duda Keiber. “O porto sempre foi um lugar chave no desenvolvimento da nossa cidade e da região também. Não é à toa que a gente vive na região mais antiga do Estado e essa hidrovia é muito rica, antes habitada por indígenas, também foi a porta de entrada de um momento da economia pujante, embora fosse à base da mão de obra escravizada, em relação ao charque. Depois vieram as indústrias e hoje a gente vive um novo panorama em relação ao transporte de madeira para confecção de celulose”, relembra Duda Keiber, da Associação.

Criada em 2016 e formalizada em 2018, a Otroporto não é apenas uma entidade cultural; é um “candeeiro”, como define Keiber, que ilumina e aproxima pessoas em tempos de fragmentação social. Com uma gestão profissionalizada do Terceiro Setor, a associação atua como uma ponte entre o investimento público-privado e a transformação real na vida das comunidades periféricas do entorno portuário, como a Balsa, Navegantes e Doquinhas.

(Foto: Valder Valeirão)

Para os organizadores, o sucesso da Otroporto reside na capacidade técnica de transformar leis de incentivo em benefícios tangíveis. A maior parte das ações é financiada por recursos públicos via Lei Rouanet (Federal) e Lei Paulo Gustavo, além de editais municipais e estaduais. Alessandra Ferreira, coordenadora da Gerência de Projetos, explica que essa engrenagem é vital. “Precisamos desses mecanismos para fazer a economia girar. A Otroporto se mantém como uma instituição sem fins lucrativos, mas com uma entrega profissional que envolve desde a captação até a prestação de contas rigorosa”, afirma.

Somente em 2025, a associação geriu 17 projetos ativos, contando com uma equipe multidisciplinar de 35 colaboradores. Estima-se que as ações de cessão de espaço e projetos culturais tenham atingido cerca de oito mil pessoas no último ano.

Resgatando a identidade

Um dos pilares é o projeto Porto Memória, coordenado pelo pesquisador e arquiteto Guilherme Almeida. O objetivo é combater o “apagão” histórico da região. “Muitas crianças não sabiam que o lugar onde vivem foi a porta de entrada para o mundo, um centro cosmopolita no século 19”, destaca Almeida. Através de colunas em jornais, livros distribuídos em escolas e o recente Cafés do Porto, a associação devolve o orgulho e o pertencimento aos moradores, conectando o passado das charqueadas e dos esportes náuticos ao futuro da revitalização.

A conexão com Rio Grande

A atuação da Otroporto ultrapassa as fronteiras pelotenses. Através de uma parceria estratégica com o Centro de Convívio de Jovens do Mar (CCMar) da Furg, a associação leva sua expertise para Rio Grande. Exemplo disso é o projeto Do Canteiro ao Prato, uma horta comunitária pedagógica que, após sucesso em solo rio-grandino, está sendo replicada em Pelotas com potencial para produzir cinco vezes mais alimentos.

Em Rio Grande o projeto é fruto de parceria com a Sagres e Yara Brasil, que apostaram no projeto que propõe segurança alimentar e inclusão social em benefício de jovens entre 14 e 17 anos. Assim, como lá, em Pelotas toda a produção é destinada à distribuição gratuita. Outro destaque dos projetos rio-grandinos é o Centro Multiuso BGV, no bairro Getúlio Vargas, que amplia o impacto social em solo vizinho.

Futuro no horizonte de 2026

Para o próximo ano, as velas da Otroporto continuam içadas. Já estão aprovados projetos como a Incubadora Otroporto, que seleciona e financia iniciativas de outros agentes culturais, e o lúdico “Onças de Ouro”, um jogo de tabuleiro focado na fauna local que promete ser o novo fenômeno de engajamento comunitário.

Ao unir a rigidez da gestão administrativa com a fluidez da arte e da educação, a Otroporto prova que a revitalização de uma área não se faz apenas com concreto e dragagem, mas com o acolhimento das pessoas e a valorização dos saberes locais. Como resume Duda Keiber: “Acreditamos que, como as ondas, as ações positivas se espalham.”

União de sabor, ciência e sustentabilidade

(Foto: Valder Valeirão)

A atuação da Otroporto é diversificada, atacando frentes que vão da educação científica à geração de renda:

Doceria Escola: Oferece oficinas gratuitas de confeitaria para moradores da região portuária, resgatando a tradição doceira de Pelotas como ferramenta de emancipação econômica.

Laboratório Faber Sapiens e Aluno Cientista: Sob a coordenação pedagógica de Guy Barcellos e Ricardo Assumpção, foca na alfabetização científica de crianças e adolescentes da rede pública.

Projeto Recicle: a premiada iniciativa transforma resíduos da atividade portuária — como uniformes e cordas — em novos produtos, unindo sustentabilidade e design.

Biblioteca Otroporto: Um acervo de mais de três mil títulos com política de empréstimo flexível, democratizando o acesso à leitura em uma área historicamente desassistida.

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