O centenário Theatro Guarany pode ter nova direção em 2026. Uma negociação iniciada em agosto deste ano, entre herdeiros e coproprietários que detêm 75% das cotas, e a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado do Rio Grande do Sul (Fecomércio), pode resultar na venda do patrimônio histórico de Pelotas por R$ 25 milhões. Para avançar nas negociações, uma ação judicial foi protocolada na Vara Cível da Comarca de Pelotas para extinguir o condomínio do imóvel e autorizar a venda direta do prédio. O pedido inclui tutela de urgência para que o valor seja depositado imediatamente em juízo. Em nota, o Fecomércio-RS/Sesc/Senac e o IFEP confirmam a intenção de compra e aguardam o andamento das negociações.
De acordo com o grupo interessado na venda, a resistência impede a concretização de um negócio considerado altamente vantajoso, tanto do ponto de vista econômico quanto da preservação cultural do teatro. O advogado que representa 62,5% dos condôminos, Gustavo Gazzale, conta que essa parte dos proprietários buscou contato com o Sesc, por meio do presidente do Sindilojas, Renzo Antonioli, para propor a venda do Theatro Guarany e, em agosto, recebeu por escrito uma proposta de compra com valor correspondente a 130% da última avaliação judicial do imóvel, ou seja, R$ 10,7 milhões. Para os interessados, o preço é considerado justo e satisfatório. “Além disso, entendem que o Sesc é uma instituição séria e confiável, que saberá manter o patrimônio, a história do Theatro e a memória dos antepassados da família Zambrano”, diz o advogado.
Ainda conforme Gazzale, diante da divergência, foi necessária a ação. “A maioria confia que o Poder Judiciário saberá resolver esse impasse com equilíbrio e espírito público, no sentido de viabilizar a venda e garantir um futuro seguro e auspicioso para o querido Theatro Guarany, já que o Sesc, por meio de seu presidente, Luís Carlos Bohn, está comprometido com a preservação do prédio e de sua história”, destaca.
Em declaração, Bohn garante o interesse da Federação na aquisição e revitalização do Theatro Guarany, visando incorporar o imóvel ao acervo patrimonial e inserir na agenda cultural os espetáculos que realiza como uma de suas finalidades sociais. Sobre as tratativas, a entidade aguarda os desdobramentos e não irá se manifestar por enquanto.
Maio de 2024
Chamado para representar a Fecomércio na intermediação, o presidente do Sindilojas, Renzo Antonioli, conta que as tratativas ocorrem desde maio de 2024. Se a negociação se concretizar, será muito importante para a cidade. “Tanto em autoestima quanto em questões culturais. Agora depende da Justiça. Mas não medi esforços para que fosse uma negociação consensual”, destaca. Ele acredita que um monumento cultural e histórico merece um desfecho natural. “Mas respeito ambas as partes por suas decisões”, conclui.
Repercussão
A titular da Secretaria de Cultura de Pelotas, Carmen Roig, considera a manifestação de interesse do Sesc na aquisição do teatro um passo importante para a preservação de um dos mais significativos patrimônios culturais de Pelotas. “Trata-se de um edifício emblemático, carregado de memória, identidade e relevância histórica para a cidade e para a região.” Para ela, o Sesc tem reconhecimento nacional pela excelência na gestão cultural, na programação artística e na preservação de bens históricos. “Sinaliza a possibilidade concreta de garantir a salvaguarda do prédio, sua recuperação qualificada e sua reinserção plena na vida cultural da cidade”, considera.
Entenda a ação
O Theatro Guarany, de 1921, é reconhecido como patrimônio histórico e cultural de Pelotas, com proteção municipal e federal. Por suas características arquitetônicas e simbólicas, o imóvel é considerado indivisível, o que, conforme o Código Civil, autoriza a extinção do condomínio com a venda do bem e posterior divisão do valor entre os proprietários.
Os autores sustentam que a manutenção do condomínio (valor não informado) se tornou inviável devido a conflitos familiares antigos, que dificultam a administração e os investimentos necessários para a conservação de um prédio centenário. A ação cita ainda que o imóvel necessita de obras constantes, modernizações e manutenção especializada, o que estaria sendo comprometido pela gestão conflituosa.
No pedido liminar, os proprietários solicitam que o Judiciário autorize o depósito imediato do valor integral da proposta em conta judicial, como forma de garantir a concretização do negócio e evitar a perda da oferta. Segundo a argumentação, o atraso pode fazer com que o Sesc desista da compra, resultando em prejuízo financeiro e colocando o futuro do teatro em risco.
A ação também destaca que, caso a venda direta não seja autorizada, os autores pedem, de forma subsidiária, que o imóvel seja levado a leilão judicial, mas com preço mínimo fixado em R$ 25 milhões, para evitar alienação por valor inferior ao já ofertado no mercado. O processo segue em tramitação e aguarda análise do pedido de tutela de urgência pelo Judiciário. A reportagem tentou contato com um representante dos 25%, mas não obteve retorno.
Um pouco da história
Conta a história que a construção do teatro foi motivada por uma birra, fundamentada na falta de respeito que os administradores do Theatro Sete de Abril teriam demonstrado com o coronel Rosauro Zambrano (seu camarote cativo havia sido vendido, por engano, a outra pessoa). A afronta fez o pelotense se retirar do recinto ameaçando nunca mais colocar os pés no local. Esse fato pode ter ocorrido, mas não foi o fator decisivo para a edificação do teatro na rua Lobo da Costa.
Durante a opulência da cidade, o charqueador Zambrano sentiu que faltava um espaço para assistir a óperas e operetas de que tanto gostava, além de um ambiente de sociabilidade. A paixão pela arte uniu o charqueador a dois portugueses pioneiros em criações cinematográficas, que fundaram a Fábrica de Filmes Guarani.
Em 1921, Zambrano, Francisco Santos e Francisco Vieira Xavier fundaram a empresa Zambrano, Xavier & Santos, e com ela surgiu um grande prédio edificado na esquina das ruas Lobo da Costa e Gonçalves Chaves. Recursos não foram poupados e, além da estrutura, os materiais empregados na decoração, como mármore de Carrara, pinturas nas paredes e a mobília, ainda exibem uma luxuosa arquitetura em estilo neoclássico. Para a inauguração, no dia 30 de abril de 1921, foi apresentado no palco o recital da Companhia Marranti, com a ópera O Guarany, de Carlos Gomes, que dá nome ao espaço artístico.
No teatro ainda foram exibidas sessões cinematográficas e, dos anos 1960 a 1990, também foi palco de bailes carnavalescos. Passou a ser utilizado para cerimônias solenes de formaturas, shows e apresentações artísticas. Em 2009, com a administração das primas Andreia e Suzana Zambrano, o teatro, por meio de parcerias, passou por várias melhorias. Confira:
Qualificações:
- Ano: 2009
Investimento no Projeto e Execução de PPCI quando foram instalados extintores de incêndio, sistema de alarme de incêndio, sinalização e portas com barras antipânico. Anualmente todos os itens devem ser revisados.
- Ano: 2010
Circuito Cultural – 120 anos Diário Popular. Recuperação do camarim principal, camarim cozinha, sala rosa, sala verde e Foyer; convênio com a Bibliotheca Pública Pelotense para pesquisa sobre a história do Theatro; impermeabilização do terraço com manta asfáltica; recuperação e troca de calhas e substituição das calhas do teatro.
- Ano: 2013
Projeto Camarim Artístico; aquisição de nova escada para acesso plateia-palco em parceria com a empresa Madelar Importação e Exportação de Materiais de Construção LTDA, que doou o material.
- Ano: 2014
Reforma do banheiro masculino e aquisição de 154 novas cadeiras para camarotes; aniversário do Theatro em prol da Santa Casa de Misericórdia de Pelotas, com um leilão artístico beneficente que arrecadou mais de R$ 40 mil.
- Ano: 2015
Aniversário do Theatro em prol do Lar Espírita Assistencial Dona Conceição, com o espetáculo Abre Alas. Participaram os artistas: Xana Gallo, Daniela Brisolara, Artur Leão, Musical Cerenepe, Cia de Dança Daniel Amaro e Cia da Dança e alunos da instituição.
- Ano: 2016
Reforma do banheiro do camarim principal comandada pela arquiteta Roberta Padilha e contou com revestimentos da Materiali. Recuperação e Pintura do Hall de entrada.
Além da recuperação das paredes e pintura, foi descoberta pintura mural original. Convênio com o Curso de Restauro/UFPel para recuperação da estátua do Índio.
- Ano: 2017
Recuperação das escaiolas do Foyer
- Ano: 2018
Colocado toldo no pátio lateral
- Ano: 2019
Reforma: foram escovadas, jateadas, fibradas e emborrachadas 144 metros lineares de calhas comprometidas com furos, falhas e obstruções.
- Anos 2020/2021
Pintura dos corredores do primeiro pavimento, do saguão e do foyer, sob orientação da arquiteta Renata Gastal; aquisição de 200 novas cadeiras para camarotes e de equipamentos básicos de som e luz, cadeiras, linóleo e tatames. Theatro foi contemplado no Edital 10/2020 de Aquisição de Bens e Materiais da Sedac-RS, via Lei Aldir Blanc. União de Artistas junto ao Theatro durante a pandemia.
- Ano: 2021
Live para celebrar os 100 anos do Theatro, em virtude do isolamento imposto pela pandemia de Covid-19. Apresentações do Ballet Diclea, Leandro Pizani, Sovaco de Cobra e depoimentos de artistas como Kleiton & Kledir, Vitor Ramil, Dicléa Ferreira de Souza, Cissa Guimarães, Joca Martins, Zeca Baleiro, Tuco Marcondes e Guilherme Weber. Espaço Guarany das Artes, com início das aulas de dança Afro, dança de Salão, dança do Ventre e Oficina Permanente de Teatro
- Ano: 2022
Reforma do banheiro feminino em parceria com a arquiteta Roberta Padilha e a empresa Materiali, e contou com pinturas nas portas da artista Rami Aquarelas.
- Ano: 2024
Em maio a oferta é feita ao Sistema Fecomércio. Em setembro, morre aos 61 anos, Andreia Fetter Zambrano, que estava à frente da administração do Theatro Gaurany.
