Por mais de cinco décadas, quem passa pelo bairro Areal de Pelotas sente o aroma inconfundível de biscoito saindo do forno. Na esquina que deu origem a um dos nomes mais emblemáticos da indústria alimentícia do Rio Grande do Sul, nasceu a história da Biscoitos Zezé – uma empresa que começou como um pequeno armazém familiar e se transformou em referência regional sem jamais abandonar suas raízes.
A trajetória, como conta Fábio Ruivo, gerente de Planejamento da Irmãos Ruivo Ltda./Biscoitos Zezé, começa bem antes da primeira fornada. Começa em Portugal, no pós-Primeira Guerra, quando João Maria da Silva Rojado Tavares Ruivo, o caçula da família, decide deixar a Europa em busca de perspectivas melhores no Brasil. Chega a Pelotas aos 17 anos, onde já vivia um dos irmãos, e passa a trabalhar em um armazém até abrir o próprio: o Armazém Independente.
Nesse período, o português casou-se com Diva Gonçalves, com quem teve seis filhos. Foi ali, em meio ao movimento cotidiano do comércio de bairro, que a prole do fundador – três mulheres (Marlene, Maria José e Marília) e três homens (José Francisco, João Carlos e Jader) – resolveram dar um passo além. Na década de 1960, criaram a Panificadora Independente dentro do próprio armazém. Sem saber, estavam plantando as bases da futura Zezé.
Início da industrialização
A iniciativa da padaria, fundada em 1º de março de 1968, foi de cinco dos seis filhos, na época apenas a Maria José não entrou na sociedade. “Isso era um sonho do vô João, segundo eles me relatam, como um bom português iniciar na panificação”, conta o empresário, que conviveu bastante com o avô João Maria.
Os pães eram bons, mas algo chamava ainda mais atenção dos clientes: os biscoitos caseiros. Os mais procurados eram o biscoito d’água, o famoso vovó sentada, que hoje a empresa não fabrica mais, e o folhado, uma receita vinda de Portugal. Feitos de forma artesanal, vendidos no balcão e entregues de charrete pelos irmãos Ruivo na região, tornaram-se rapidamente os produtos mais procurados. “Aqui era uma rota de passagem para a Boa Vista, para as granjas, para o Laranjal, onde tinham propriedades rurais e o pessoal passava por aqui e comprava mais biscoitos que pães”, relembra Fábio Ruivo.
A fama ultrapassou as fronteiras de Pelotas. Em 1973, foi quando surgiu a marca Zezé, que veio do apelido do mais velho dos irmãos, o José Francisco, pai de Fábio, conhecido por Zezinho ou Zezé. “Aconteceu naturalmente, não foi nada muito pensado”, comenta o empresário.
Confirmando as profundas raízes no Areal, a fábrica de biscoitos foi tomando forma nos terrenos aos fundos do antigo Armazém Independente, com a ampliação do espaço e a compra de maquinários, como fornos contínuos e um princípio de automatização, além do investimento na logística.
Na primeira metade da década de 1980, a família resolveu separar a fabricação dos biscoitos da panificadora Independente, que ficou com a irmã Marlene. A partir desse momento os três irmãos homens passaram a se dedicar exclusivamente aos biscoitos, marcando um novo rumo para a empresa. “Foi quando começamos a pensar grande, mas sempre com os pés no chão”, relembra Fábio.
Antes mesmo desse momento, no final da década de 1970 os biscoitos já chegavam a Porto Alegre. Os primeiros clientes foram os supermercados Real e o recém-criado Zaffari, uma parceria que dura até hoje.
Ampliação do portfólio
Com uma produção de cerca de 35 a 40 toneladas de biscoitos por dia e um portfólio, que hoje inclui 54 produtos, alguns são icônicos como Mignon, Folhado e Folhado Doce, Água e Sal, Raminho, Bolo de Mel e Fura Bolo, a Zezé preserva uma característica que a diferencia no mercado: a capacidade de industrializar produtos que mantêm alma artesanal. “Muitas grandes fábricas não querem ou não conseguem entrar nesse tipo de processo. Depende de mão de obra especializada, conhecimento profundo e muita dedicação”, explica Fábio.
É justamente essa especialização que coloca a empresa em um nicho próprio, com forte presença no Sul do País (do Rio Grande do Sul até o Paraná) e crescente expansão para estados como São Paulo, Espírito Santo e Mato Grosso.
Mesmo assim, a cautela e o planejamento seguem como marca da gestão familiar. Fábio destaca que a empresa evita dar saltos arriscados, preferindo crescer de forma sustentável. “Poderíamos ter avançado mais rápido, mas talvez tivéssemos colocado em risco a empresa. Sempre fomos pautados por uma estratégia, como a gente gosta de falar, ‘pé no chão’. Ganhar espaço aos poucos, com investimentos seguros e riscos baixos para não comprometer a capacidade de organização da empresa.”
Com quase seis décadas de história, a Zezé se prepara para novos ciclos. Atualmente com 260 funcionários, a empresa está começando a ser gerida pela terceira geração, que encara o desafio de perpetuar o legado em um ambiente competitivo. “A qualidade de produto e cautela acho que são os alicerces que trouxeram a Zezé até aqui com sucesso. Quem construiu essa empresa até hoje até o dia de hoje em grande parte foi meu pai e meus tios. O mérito ainda não é dessa geração a qual eu pertenço. Sabemos os desafios que as empresas familiares têm de enfrentar, a questão interna e da sucessão e estamos trabalhando nisso hoje”, comenta o empresário.
Investimentos em novas linhas, especialmente na área de snacks salgados, estão em estudo. Há ainda planos futuros de expansão física para outras cidades, mas sem abrir mão da base de Pelotas. “A Zezé não sai daqui. A comunidade faz parte da nossa história e nós da história dela. Não existe risco de a empresa deixar o Bairro Areal.”
Relação com a comunidade
Esta relação com Pelotas ultrapassa o aspecto econômico. Ao longo dos anos, a empresa se tornou referência em ações sociais, apoiando escolas, projetos comunitários e iniciativas humanitárias, muitas delas sem divulgação pública. “A gente sabe da relevância que tem pra cidade. A família é muito engajada com a cidade, valorizamos essa terra. A gente entende que a empresa que prospera tem que entregar algo de volta à comunidade”, afirma Fábio.
Para ele, Pelotas tem muito mais potencial do que às vezes acredita: logística favorável, mão de obra disponível, proximidade com o porto e, agora, a BR-116 duplicada e voos diários para São Paulo. “Tem uma questão cultural e o pelotense foi absorvendo esse vitimismo. A gente tem que acreditar nessa terra. Pelotas tem mais vantagens que problemas. É possível crescer aqui.”
Entre tradição e inovação, a Zezé segue ampliando os horizontes sem deixar de lado aquilo que a fez nascer: trabalho familiar, cuidado com o produto e amor pela cidade. Na esquina onde tudo começou, os fornos seguem acesos e Pelotas continua sentindo o doce aroma do sucesso.
