Eu sempre me considerei uma menina muito feminina. As primeiras memórias com a minha mãe são dela arrumando meu cabelo com pentes finos e penduricalhos. Diferente das outras meninas, que não gostavam daquele processo de ficar de pé na frente do espelho, tendo o cabelo puxado e repuxado por causa daquele único fio solto, eu fazia questão do ritual. Cresci com o salão da minha tia-avó a uma quadra da minha casa, onde via, quase cotidianamente, mulheres se enfeitando. Lia compulsivamente as revistas de beleza, casa e moda e, portanto, aos 6 anos de idade já achava que sabia distinguir o elegante do fora de moda.
Além disso, meu pai é o único filho homem, tendo quatro irmãs que me enfeitavam sempre que podiam. Eu estava tão confiante no meu senso de estilo que disse para uma das minhas tias parar de me presentear porque ela não era “fashion”.
Com o fechamento do salão e a mudança da minha tia-avó para a praia do Cassino, as revistas se foram e eu ganhei um casaco de pele da Argentina. Apelei para as telas.
Meus programas de TV preferidos eram relacionados à moda. E logo comecei a procurar as referências das minhas referências. Vogue, Gisele, Naomi já eram antigas conhecidas, coisa do passado. Eu queria compreender as inspirações delas e a quem se referiam quando falavam sobre Nova York, Cher, Madonna, RuPaul. Logo entendi o fuzuê.
Quando permitem que uma menina de dez anos estude a cultura pop dos anos 80, certas coisas acontecem. Uma delas foi que eu aprendi a falar inglês praticamente sozinha. Outra foi que eu assisti a um programa de competição entre drag queens e aprendi coisas sobre “tucking” e “untucking” — aos desconhecidos da cultura LGBTQIA+, vale a pesquisa rápida no Google.
Apesar da atribuição de que moda é banal ou algo do tipo “todo mundo está usando”, com essa jornada fui descobrindo que os verdadeiros ícones eram inovadores e irreverentes. A maioria das grandes inspirações usava a moda como forma de expressão porque não tinha voz para falar o que pensava. E eu ouvia. Cada vez era mais clara para mim a influência de minorias na moda que “todo mundo está usando”, aos críticos que acreditam não pensar sobre o que vão vestir.
As lutas e conquistas dos anos de cultura pop que “estudei” são lembradas até hoje. E gosto de pensar que isso tudo se relaciona com a razão de cursar Direito e, hoje em dia, ser a grande perua que sempre sonhei — aquela que vai com seu casaco de pele para a faculdade.