A Lagoa dos Patos começou a salgar mais de dois meses antes do início oficial da safra do camarão, prevista para 1º de fevereiro. Isso reacendeu a esperança entre pescadores artesanais da região, depois da frustração da temporada passada. O fenômeno, que costuma ganhar força em dezembro, já é percebido há cerca de 20 dias por quem vive da pesca, após meses de baixa produtividade.
A salinização precoce é considerada um bom sinal pelos mais experientes. O camarão depende da água salgada para migrar da área costeira para dentro da lagoa, onde se desenvolve e é capturado. Com a presença do vento ideal para levar a água do mar em direção à lagoa e a ausência de chuvas intensas, as condições lembram anos em que a colheita de camarão foi satisfatória.
Às margens da lagoa, no Pontal da Barra, o pescador Oswaldo Arruda, 65 anos, diz que não via a Lagoa dos Patos tão limpa havia muito tempo. “Já começou a salgar faz uns 20 dias. A água limpou, não tem aquela poluição. Acho que vai ser uma ‘safrinha’ boa para defender a gente”, afirma.
A perspectiva é de que a tainha, já sendo capturada em pequena escala, e principalmente o camarão ajude a compor uma temporada em contraste com as últimas safras. As enchentes e as repetidas interrupções da salinização adequada desorganizaram o ciclo natural das espécies e prejudicaram a pesca nos anos anteriores.
No entanto, Arruda reconhece que ainda é cedo para medir a quantidade e qualidade real do crustáceo, principalmente por conta da variação climática: “Se não chover muito e der tudo certo, vai ser uma super safra. Mas só em dezembro o pescador vai saber”. No fim do ano, segundo o pescador, é possível ter uma noção mais fiel em relação a projeções.
Bagre segue proibido e causa revolta
Mesmo com o cenário mais favorável, as restrições seguem como o maior obstáculo para a pesca artesanal. Para Arruda, um dos problemas mais graves é a proibição do bagre, há 10 anos inclusa na lista de espécies ameaçadas de extinção: “Tem muito bagre aí. E a gente não pode pescar”. Ele compara com o litoral norte, por exemplo, onde municípios como Tramandaí e Imbé obtiveram autorização para monitoramento e pesca controlada.
Clima favorece o camarão
Outro pescador do Pontal da Barra, Jorge Ruche, 57 anos, reforça a expectativa positiva. Para ele, a panorama é promisso, mas a imprevisibilidade da chuva e do preço trabalhado ainda são os principais riscos. “Quando o pescador acha que vai dar, vem um aguaceiro e já era. Tem que ter calor, pouca chuva e fazer o camarão valer”, aponta.
Futuro da pesca
Em São Lourenço do Sul, também há preocupação com o futuro da pesca artesanal. O presidente da Colônia de Pescadores Z-8, Ivan Kuhn, reforça que a pesca artesanal vive uma crise estrutural. “Eu acredito que a pesca não é valorizada como deveria. A geração de pescadores artesanais está indo para um fim”, afirma Kuhn, enquanto cita exemplos de jovens pescadores que desistiram da prática.
Entre os principais problemas estão:
- falta de segurança jurídica;
- divisão dos territórios de pesca da lagoa;
- restrições sem estudos atualizados, como o caso do bagre;
- preços muito baixos, como a tainha vendida a R$ 3;
- alto custo de gelo e combustível;
- e a ausência de pagamento do seguro-defeso, atrasado desde maio.
Kuhn lembra que o pescador, para sobreviver, precisa ir onde está o peixe. Segundo ele, no passado era possível pescar em toda a extensão da lagoa, até mesmo na região de Porto Alegre. Hoje, com as divisões territoriais e novas restrições, muitos pescadores seguem indo para o mar para garantir sustento, mesmo correndo o risco de serem multados.
Sobre o camarão, ele confirma uma mudança desfavorável nos últimos 15 anos: “A última safra boa mesmo foi em 2012”, recorda. “As safras mais recentes foram ‘relâmpago’. Vamos esperar fevereiro. O clima está favorável, a água está salgando, mas só a natureza vai dizer”.
