Com a proximidade do verão, aumentam as buscas por soluções rápidas para emagrecer. No entanto, especialistas alertam: a saúde não combina com atalhos. A nutricionista da Universidade Católica de Pelotas (UCPel), Nathalia Maas Gastaud reforça que equilíbrio, informação e acompanhamento profissional são os pilares para uma relação saudável com a comida.
Com a chegada dos meses mais quentes, academias lotam, redes sociais se enchem de conteúdos sobre perda de peso e voltam a circular fórmulas consideradas “milagrosas”. Para a nutricionista, entrevistada no programa Corpo e Mente, da Rádio Pelotense, esse movimento se repete todos os anos, e segue sendo um problema. “Existe uma urgência pelo imediato. No entanto, se o peso foi acumulado ao longo de anos, a perda será um processo gradual. Não há resultados expressivos em um único mês.” explica.
Segundo ela, a nutrição tem impacto direto na saúde física, mental e no comportamento. Deficiências nutricionais, consumo excessivo de ultraprocessados e dietas restritivas podem produzir sintomas como estresse, cansaço, irritabilidade e alterações intestinais. “A alimentação é uma ferramenta de saúde. Quando falta equilíbrio, o corpo sente”, pontua.
Ultraprocessados
A indústria alimentícia segue ampliando a oferta de produtos ultraprocessados, ricos em sódio, açúcar, gordura e aditivos. São alimentos de preparo rápido, embalagens atraentes e grande apelo publicitário. Para Nathalia, não há mistério: quanto mais cor, mais ingredientes e mais promessas, maior a chance de ser um alimento pobre em nutrientes.
Ela reforça que produtos considerados “saudáveis” também podem enganar. Granolas com alta quantidade de açúcar, bebidas enriquecidas artificialmente com proteínas e até água com aditivos proteicos são alguns exemplos recentes. “Hoje encontramos água de coco com proteína, guaraná com fibra… a indústria se aproveita do discurso da saúde para vender mais. Mas nada disso substitui alimentos in natura ou minimamente processados.” A regra que ela repete aos pacientes é simples: “descascar mais e desembalar menos”.
Hábito de ler rótulos
Ler o rótulo, segundo a nutricionista, é um hábito que deveria fazer parte da rotina. A lista de ingredientes aparece sempre em ordem decrescente, o primeiro é o que está presente em maior quantidade. “Ao buscar um pão integral, o primeiro item da lista de ingredientes deve ser a farinha de trigo integral. Se a farinha branca aparecer primeiro, ele é considerado, para fins nutricionais, um pão branco.”
Ela também alerta para os “açúcares disfarçados”: açúcar invertido, maltodextrina, xarope de glicose e outros nomes técnicos que substituem o termo açúcar. “Muitas vezes o produto se diz ‘zero açúcar’, mas pode conter adoçantes ou algum tipo de açúcar com outro nome.”
Dietas restritivas
Dietas que excluem totalmente grupos alimentares, como carboidratos, glúten ou lactose, ganharam destaque nas redes sociais. Nathalia afirma que essas abordagens, quando não têm indicação clínica, podem gerar consequências sérias. “Retirar carboidratos, por exemplo, reduz energia e aumenta irritabilidade e cansaço. Restringir glúten ou lactose sem diagnóstico também prejudica o intestino e pode levar à deficiência de vitaminas, minerais e até perda de massa muscular”.
A orientação atual da ciência é clara: nenhum grupo alimentar deve ser excluído sem necessidade comprovada. “Equilíbrio é a palavra-chave. Todos os grupos cumprem papéis importantes na saúde.”
Especialistas virtuais
Outro desafio enfrentado por profissionais é a avalanche de vídeos curtos com supostas orientações nutricionais. “Aparece alguém dizendo que leite é inflamatório, que pão reduz expectativa de vida… e o paciente chega acreditando naquilo. Nosso trabalho muitas vezes é desmistificar esses mitos com informação baseada em evidência científica.”
A nutricionista recomenda sempre verificar a formação profissional e desconfiar de conteúdos simplistas. “Nutrição não é receita pronta para todo mundo. Cada pessoa tem um corpo, um histórico e uma necessidade.”
Comer não é só “o que se come”
Além da escolha dos alimentos, a forma como se come tem influência direta na digestão e na saciedade. Para Nathalia, o hábito de se alimentar assistindo a vídeos, trabalhando ou usando o celular faz com que o corpo ignore os sinais naturais.
“O estômago demora cerca de 20 minutos para avisar o cérebro de que está saciado. Quando comemos rápido, distraídos, ultrapassamos esse ponto. Depois vêm o estufamento, o mal-estar e a sensação de ter exagerado.”
O uso de telas durante as refeições afeta tanto crianças quanto adultos. “Aceleramos o ato de comer para acompanhar o ritmo dos vídeos. Isso prejudica a percepção de fome e saciedade.”
Fome ou vontade de comer?

(Foto: Divulgação)
Outro conceito citado pela nutricionista é o “ruído alimentar”, quando a pessoa passa o dia pensando no que vai comer. Isso pode ser um indício de relação emocional com a comida. “A fome é física. Já a vontade é emocional: vontade de comer doce, de beliscar algo mesmo sem fome real. Entender essa diferença é fundamental.”
Ela explica que parte desse comportamento pode ser trabalhado por meio da nutrição comportamental, abordagem que observa o hábito, a atenção plena e a forma como o paciente se relaciona com a comida.
Constância
Ao final, Nathalia reforça que não existe alimentação perfeita, e sim alimentação possível. “Um pedaço de pizza no fim de semana não anula uma rotina saudável. O problema é a constância no erro, não o erro ocasional.” Para ela, a chave está em encontrar equilíbrio, apoiar-se em informação confiável e buscar acompanhamento profissional. “Não existe dieta milagrosa. Existe processo. E o processo leva tempo.”
Quando o equilíbrio supera a restrição
O caso de Eduarda Machado Nogueira, 23 anos, servidora pública, ilustra como dietas restritivas podem gerar efeitos opostos ao desejado. Durante anos, ela seguiu regimes extremamente rígidos que resultaram em perdas rápidas, mas sempre seguidas de compulsão e ganho ainda maior, o conhecido efeito sanfona.
A jovem relata ciclos repetidos: emagrecimentos de cinco quilos seguidos de ganhos de dez ou 12. Até mesmo durante a gestação, quando precisou seguir um plano rígido devido à diabetes gestacional, a restrição severa gerou, no pós-parto, um episódio de compulsão que resultou em seis quilos a mais em menos de dois meses. Apesar de já ter passado por vários profissionais, os planos alimentares eram sempre inflexíveis.
A virada ocorreu quando Eduarda iniciou o preparo nutricional para a cirurgia bariátrica com a nutricionista Nathalia. Pela primeira vez, recebeu um plano realista, sem cortes extremos, baseado em rotina e equilíbrio. A proposta incluía comida de verdade, pequenas concessões como um doce após as refeições, gelatina zero, refrigerante zero quando desejado e foco em consistência, não em proibições.
O resultado apareceu: perdeu 11 quilos antes mesmo da cirurgia; manteve o plano sem episódios de compulsão; recuperou a sensação de controle e desenvolveu uma relação mais leve e possível com a comida. Para Nathalia, o caso evidencia o poder da reeducação alimentar baseada em aderência, e não em radicalismo.
Pressão social
A nutricionista Luany Oliveira Marques, 28, conta que desde adolescente sempre teve preocupação com o corpo e confessa ter sofrido pressão social de “não pode ser gordinha, cuidado com o que come”. Então as restrições, sem ter muito conhecimento, a afastou de alimentos como pães, bolos, bolachas e afins. “Comia em pouquíssima quantidade, e me transformei numa adolescente “magra”, e continuei assim até a faculdade. Durante esse período eu desenvolvi ansiedade, o que prejudicou a minha relação com a comida e a parte psicológica. Logo ganhei muito peso e me vi novamente num quadro de sobrepeso”, conta.
Logo que se formou, ela viveu os primeiros desafios da carreira ao mesmo tempo em que enfrentava uma luta intensa contra a ansiedade e a perda de peso. Buscou acompanhamento profissional para tratar a saúde mental, mas, recém-saída da faculdade, voltou a adotar restrições alimentares rígidas. Cortou pão, massas, reduziu ao mínimo o arroz e praticamente eliminou carboidratos do dia a dia. Sua alimentação passou a ser baseada em ovos, carnes, saladas e frutas e, embora admitisse passar fome em alguns momentos, dizia que cada resultado visível a motivava a seguir adiante.
“Com o tempo, aprofundei-me na minha própria profissão e compreendi que precisava transformar minha relação com a comida”, confessa. Aos poucos, passou a colocar em prática o que estudava: não era necessário cortar nada, mas encontrar equilíbrio. Hoje, apesar de ainda conviver com a ansiedade, considera sua alimentação muito mais saudável, variada e tranquila. “Come de tudo, sem culpa, e sigo atingindo meus objetivos de maneira sustentável”.
Não existe corpo perfeito
Para ela, um dos maiores erros de quem tenta emagrecer rapidamente é não ter a mente preparada para mudar hábitos. “Imagino que muitas pessoas têm medo de que o profissional irá restringir demais a alimentação, prejudicando ainda mais a relação com a comida e, por isso, acabam recorrendo a métodos acelerados, como canetas emagrecedoras, cirurgias e cintas”, observa.
Para a jovem nutricionista, esses recursos podem ajudar, mas apenas se houver manutenção de um estilo de vida equilibrado. Caso contrário, o reganho de peso depois dessas intervenções costuma ser ainda maior. Na sua opinião, não existe corpo perfeito. “E esse ideal não existe: o que existe é um corpo saudável, forte e com qualidade de vida”, pontua. O resultado pode ser conferido pelo @luanymrqs.
