A Universidade Federal de Pelotas (UFPel) se destacou em um levantamento internacional sobre a influência da ciência nas decisões públicas. De acordo com um relatório da Agência Bori e da plataforma Overton, três pesquisadores da UFPel estão entre os cinco brasileiros que mais ajudam a embasar políticas públicas no mundo. O estudo analisou quantas vezes trabalhos científicos foram citados em documentos oficiais, relatórios e pareceres usados por governos e organizações internacionais.
No topo da lista, o epidemiologista e professor emérito da UFPel, César Victora, ocupa a primeira posição, seguido por Aluísio Barros, em terceiro, e por Pedro Hallal, em quinto lugar. Todos são ligados ao Centro de Pesquisas Epidemiológicas (CPE) da universidade e atuam na área da saúde ou saúde e ambiente. A lista com 107 nomes também inclui outros três pesquisadores da UFPel: Giovanny de França (26º), Fernando Barros (27º) e Bernardo Horta (30º).

Cesar Victora é o pesquisador mais influente do mundo. (Foto: Divulgação).
O fato de ter três nomes no Top 5, todos de uma universidade fora do eixo Rio-São Paulo, é considerado “inusitado” e um motivo de grande orgulho para a instituição, segundo Cesar Victora. “A gente fica orgulhoso. Isso mostra a importância da nossa universidade”, destaca o pesquisador mais influente do mundo, em entrevista.
O pró-reitor de pesquisa e pós-graduação da UFPel, Marcos Corrêa, reforça a importância do critério da avaliação: “Essa lista é bem especial. [Ela] está avaliando a influência do conhecimento na formulação de políticas públicas. Ela consegue mensurar o impacto da ciência que é produzida.”
Foco em evidências e saúde materno-infantil
O trabalho dos pesquisadores da UFPel é marcado pela produção de evidências que pautam decisões de saúde em escala global. Cesar Victora, o mais influente da lista, teve mais de 3 mil documentos de políticas públicas embasados por seus estudos. Seu foco em aleitamento materno e desenvolvimento infantil foi crucial para a mudança de paradigmas.
Segundo ele, a pesquisa baseada em evidências comprovou a importância do aleitamento exclusivo nos primeiros meses de vida, por exemplo. Isso causou uma “mudança no paradigma da alimentação infantil”, influenciando diretamente a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança no Brasil e relatórios da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Aluísio Barros, em terceiro lugar na lista, é cofundador do Centro Internacional de Equidade em Saúde. (Foto: Divulgação).
O professor Aluísio Barros segue essa linha de impacto, com trabalhos que influenciaram diretamente políticas de saúde materno-infantil e programas sociais, como o “Criança Feliz”. O pesquisador, que é cofundador do Centro Internacional de Equidade em Saúde, destaca a perspectiva global de seus estudos. “Começamos a fazer uma série de pesquisas sobre isso [equidade]. O nosso trabalho acabou tendo uma perspectiva mais global, com um foco muito grande na equidade em saúde.”
Ele ressalta que a força da epidemiologia da UFPel está na “cultura de pesquisa de alta qualidade, com muita seriedade, e engajamento na saúde pública”, além da preocupação em apresentar a ciência de uma forma mais compreensível, que seja “entendível pelo gestor, pelo tomador de decisões e pelo político.”
Ciência em meio à polarização e restrições
O destaque da UFPel se deu após um contexto de desafios para a ciência brasileira, com muitos cortes orçamentários. O professor Pedro Hallal, por sua vez, é reconhecido pelo trabalho em

Pedro Hallal, na 5ª posição, é reconhecido pelo trabalho em políticas de atividade física e atuação durante a pandemia Covid-19. (Foto: Divulgação)
políticas de promoção de atividade física e por liderar inquéritos nacionais de prevalência de Covid-19 durante a pandemia. Para ele, a pesquisa é um “patrimônio do Estado”. “Não é um governo que tem que defender a ciência, tem que ser todos eles”, declara.
Victora compartilha da mesma visão sobre os cortes: “A ciência sofreu muito no governo anterior.” Ele enfatiza que o período foi um “duplo baque” – não apenas o corte de verbas, mas também a descredibilização. A resiliência do grupo, no entanto, foi garantida por financiamentos internacionais que permitiram a continuidade de estudos de longo prazo, como o maior da UFPel, que já dura 40 anos.
Pelotas e sua universidade federal
O reconhecimento internacional para a UFPel, uma universidade no interior do Estado, é uma clara demonstração do potencial da ciência brasileira para impactar a vida das pessoas, mesmo diante de dificuldades. “A universidade tem que estar muito feliz por estar tão bem colocada na lista. Uma universidade pequena em comparação às outras”, diz Victora.
“Este grupo de Pelotas é uma coisa um pouco… inesperada. Por ser um resultado vindo de uma universidade periférica no sentido geográfico, não está em uma das capitais do país. […] Para nós, é um reconhecimento super importante”, considera Barros. Hallal completa: “Este talvez seja um dos maiores resultados, se não o maior, da história da UFPel.”
