“Dez anos de luta e resistência. Sem dinheiro público, com chibata e muita dor”

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“Dez anos de luta e resistência. Sem dinheiro público, com chibata e muita dor”

Juliano Silva (babalorixá de Oxum), Diná Bandeira e Isabel Campos

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Atualizado quarta-feira,
05 de Novembro de 2025 às 12:28

“Dez anos de luta e resistência. Sem dinheiro público, com chibata e muita dor”
(Foto: Jô Folha)

Nesta quarta-feira (05), a partir das 13h30min, o Museu do Doce recebe o seminário Caminhos da Fé: Estratégias de Enfrentamento à Intolerância Religiosa, que marca os dez anos da Procissão do Bará, um dos mais importantes símbolos de resistência das religiões de matriz africana no sul do país. A programação inclui debates, oficinas e apresentações culturais. Em entrevista à Rádio Pelotense, Juliano Silva (babalorixá de Oxum), Diná Bandeira (produtora cultural) e Isabel Campos (doutora em Antropologia) falaram sobre o significado desse marco.

O que representa os 10 anos da Procissão do Bará para vocês?
Juliano Silva: São dez anos de luta e resistência. Sem dinheiro público, com muita chibata e com muita dor. Só agora começa a “cair a ficha” de que esse sonho se realizou. E ele não é meu: é um legado de toda uma ancestralidade pelotense, de toda uma diáspora africana. Aquelas pessoas que vieram escravizadas trouxeram sua cultura, sua religiosidade e sua força. Hoje, por meio da oralidade, a gente dá continuidade a essa tradição milenar. Mesmo em tempos sombrios, a gente resistiu. Mostramos que no DNA de Pelotas existe essa força negra, pelotense e batuqueira. Bará do Mercado é sinônimo de força. E a gente resiste.

Como tem sido a realização do evento e a receptividade do público?
Diná Bandeira: Está sendo muito gratificante. A exposição começou ainda na sexta-feira, junto à Feira do Livro, e já recebemos alunos de várias cidades, como Cristal, Caxias do Sul e Gramado. É emocionante ver as crianças se identificando com os símbolos e elementos das religiões de matriz africana. Elas chegam, reconhecem um tambor, um adjá, um agê. E querem tocar. Isso mostra o quanto é importante dar visibilidade e acolher essa herança cultural nas escolas. A mostra fica até sexta-feira, dia 7, no Casarão 2 da Praça Coronel Pedro Osório, e todos estão convidados a visitar.

Quais são as estratégias de enfrentamento à intolerância religiosa, na prática?
Isabel Campos: A principal estratégia é a organização política do povo de terreiro. Em Pelotas e no Rio Grande do Sul, temos conselhos municipais e estaduais do povo de terreiro, que já são formas concretas de enfrentamento. E hoje usamos a categoria racismo religioso, porque não é apenas uma questão de intolerância, mas de discriminação racial. As práticas de perseguição têm base no racismo, e isso precisa ser nomeado. Também há um movimento de patrimonialização, com o processo junto ao Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iphae) para que o Bará do Mercado seja reconhecido como patrimônio cultural. É uma forma de garantir que essas religiões sejam reconhecidas como parte da cultura e da história do Estado.

Vocês têm envolvido escolas nesse processo. Qual é o papel da educação nesse debate?
Juliano Silva: A educação é o caminho para transformar. Quando uma criança se reconhece em um instrumento ou símbolo da sua própria cultura, é sinal de que estamos fazendo certo. A Lei 10.639, que trata do ensino da história e da cultura afro-brasileira, é uma base para isso. Mas ainda há muito a avançar. As escolas estaduais abraçaram o projeto e estão levando seus alunos. Com recursos próprios, inclusive. Já as municipais, infelizmente, ainda não confirmaram presença.

Diná Bandeira: Escola precisa ser um espaço onde as crianças se reconhecerem. Nosso país é místico, tem raízes diversas. A exposição é educativa. As crianças se emocionam e aprendem. É isso que queremos: que elas saibam que essa cultura está no sangue e nas raízes de todos nós.

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