Nascido em Pelotas no ano de 1871, Alberto Ramos foi estudar na Suíça aos treze anos de idade. De lá somente voltaria aproximadamente dez anos depois, estabelecendo-se definitivamente no Rio de Janeiro, onde seria chefe da Havas – uma das maiores agências de notícias internacionais no Brasil. Sua vida e sua obra foram por mim exploradas em dois textos: Alberto Ramos, tradutor de Heine e de Nietzsche (Diário Popular, 7/8/2020, p. 6) e A primeira antologia brasileira da obra de Friedrich Nietzsche, organizada e traduzida pelo poeta Alberto Ramos (Dissertatio, 2021, p. 249-266). Poeta, jornalista e tradutor, ele faleceu em 1941, no Rio de Janeiro, antes de publicar as traduções que fizera dos textos de Nietzsche.
Vindo à público em 1949, por uma das três maiores editoras do país, a obra Nietzschiana traz, em sua folha de rosto, a seguinte informação: “Trechos escolhidos da obra do autor de Zaratustra por Alberto Ramos”. Ao lermos suas páginas iniciais, ficamos sabendo que tais traduções encontravam-se “datilografadas e distribuídas por pequenas pastas cujos títulos remetiam às obras correspondentes”, e que, após sua morte, por “zelo carinhoso de sua viúva”, as mesmas chegaram até as mãos do escritor Gastão Cruls, o qual, “depois de corrigi-las e revisá-las, pediu a Agrippino Grieco que também se associasse a essa última homenagem ao amigo comum”. Mas quem era a mulher que preservou, durante anos, o conjunto dos textos da Nietzschiana?
Até onde conseguimos investigar, a referência mais antiga ao seu prenome surge num texto do escritor e jornalista Jarbas de Carvalho. Questionando a concepção feminista de uma personagem de Molière, no artigo As teorias de Mme. Moll-Weiss, em determinado momento ele escreve: “Embora eu vá com pressa (…) tenho tempo de lançar um olhar para o interior de uma casa original, em colunatas, como se fosse a miniatura da Igreja da Magdalena – e vejo o Alberto Ramos atarefado em preparar, na copa, o delicioso éclair, que teria sido outrora uma especialidade de Madame Pierrette” (O Paiz, 24/10/1929, p. 2). Prenome de origem francesa, talvez isto explique o local de férias dela e de seu esposo, em dezembro do mesmo ano: “A bordo do Lipari chegou pela manhã, a esta capital, acompanhado de sua esposa, o Dr. Alberto Ramos (…) que regressa da França, onde passou um largo período de férias” (Correio da Manhã, 13/12/1929, p. 5).
Outra pista nos é fornecida em 1943. Ao narrar os longos anos de amizade com Alberto Ramos, nos quais frequentava sua residência, o jornalista e político Joaquim de Salles recorda carinhosamente: “Se não me falha a memória (…) Pierrette, a encantadora esposa de Alberto Ramos, servia-nos café, na sala da biblioteca”, sendo Olavo Bilac o “padrinho de seu filho único, o Albertinho” (Excelsior, 15/1/1943, p. 6). Trata-se do filho que nasceu em 1903 e que ingressou no Liceu Francês, no Rio de Janeiro, logo após sua inauguração, para nele fazer sua formação: “Alberto Ramos, filho de Alberto Ramos, 14 anos de idade, aluno do Lycée Français” (O imparcial, 7/3/1917, p. 8). Menino que veio à luz no início do século 20, teria Pierrette conhecido Alberto Ramos na Europa, antes dele voltar ao Brasil? Ou ambos se encontraram no Rio de Janeiro?
Não resta dúvida de que o prenome “Pierrette” estivesse ligado ao sobrenome do esposo, tal como consta no volume III dos Anais do primeiro Congresso (…) comemorativo do centenário da Revolução Farroupilha, realizado em Porto Alegre: “Alberto Ferreira Ramos, casado com D. Pierrette Ramos” (Globo, 1936, p. 325). Todavia, nada sabemos acerca de seu nome de família e de sua biografia. A deliciosa sobremesa de origem francesa que ela preparava, no entanto, jamais saiu da lembrança de quem frequentava a sua casa. No ano de falecimento de seu esposo, o escritor e jornalista Jarbas de Carvalho, no artigo Lembrança alegre da casa dos mortos, recorda de uma senhora que também conhecia o “éclair delicioso feito pela Pierrette”, uma vez que frequentava os “almoços ruidosos de sua casa em Santa Tereza” (Correio Paulistano, 18/2/1941, p. 5).
Mas que destino terá tomado Pierrette? Que sua origem fosse francesa não resta dúvida, na medida em que no Anuário Genealógico Brasileiro, do ano de 1941, lê-se: “Alberto Ferreira Ramos, poeta, casado com D. Pierrette… Natural da França. Residem no Rio de Janeiro” (Moya, São Paulo, p. 431). Encantadora, discreta e refinada, resta-nos apenas uma certeza: sem o amor de Pierrette jamais teríamos acesso às traduções que seu esposo pelotense preparou, ao longo de décadas, para publicação.
Nota: Alberto Ramos Filho ascendeu ao alto comércio carioca e casou-se em 1928 com “a senhorita Maria Dantas” (A Noite, 3/12/1928, p. 6). Veio a falecer em 1953, deixando três filhos: “Sergio Dantas Ramos, Gilberto Dantas Ramos, Eduardo Dantas Ramos” (Diário da Noite, 10/8/1953, p. 9).