Uma denúncia de assédio moral, perseguição e práticas abusivas na 5ª Delegacia Penitenciária Regional, em Pelotas, tramita no Ministério Público do Estado. O tema só ganhou visibilidade quando uma das vítimas, o policial penal Samuel Ferreira Machado, foi ouvido pela Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa. Até então, todas as tentativas anteriores não haviam obtido retorno.
Para o Sindicato dos Servidores da Polícia Penal (Sinppen-RS), situações como essa são cada vez mais frequentes, reflexo de um ambiente de trabalho adoecido, com quase 10% do efetivo afastado por licença de saúde. A Secretaria dos Sistemas Penal e Socioeducativo (SSPS) informou que o caso está sob apuração na Corregedoria.
Em depoimento na Assembleia, o servidor relatou que os episódios de assédio se intensificaram a partir de maio do ano passado, com a chegada de um novo delegado. Segundo Machado, o abuso começou quando um colega chegou atrasado ao trabalho e o gestor determinou que todos realizassem flexões e outros exercícios físicos, em um ato de humilhação coletiva. Os servidores teriam sido obrigados a agradecer ao colega que se atrasara. A Corregedoria-Geral arquivou o processo contra os gestores e acabou indiciando o denunciante.
“Eu havia apresentado denúncias, mas sem respostas. Iniciou-se um processo de utilização da Corregedoria-Geral do sistema penitenciário para retaliar os servidores que se opunham aos abusos perpetrados pela gestão”, afirmou Machado. “Decidi procurar a Comissão de Direitos Humanos para expor os abusos por parte do Estado.”
O agente também relatou que a gestão passou a restringir o consumo de alimentos e de água pelos servidores. “O delegado trancou a cozinha da penitenciária de uma das unidades, impedindo o acesso até à água potável”, contou. As denúncias incluem ainda casos de isolamento e perseguição a outros servidores, como uma policial penal que pediu exoneração.
A reportagem tentou contato com o delegado, mas ele está de férias e não retornou às ligações.
Padrão institucionalizado
O presidente do Sinppen-RS, Cláudio Dessbesell, afirma que o caso de Pelotas não é isolado e se enquadra em uma metodologia de assédio recorrente dentro do sistema prisional. Segundo ele, o sindicato já encaminhou um dossiê de 268 páginas a diferentes órgãos, relatando perseguições, restrições e ameaças a servidores.
“Temos denúncias semelhantes em outras unidades, como o Presídio Central e o Nugesp, em Porto Alegre. Em alguns locais, colegas foram advertidos de que perderiam o direito à alimentação se não cumprissem ordens da chefia. Há relatos de servidores que precisam levar garrafas para urinar, pois não podem sair dos postos”, denunciou.
Dessbesell destacou ainda o impacto psicológico da rotina carcerária. “Depois de cinco anos, o servidor adquire alguma patologia mental; após dez, a condição se torna quase irreversível. Trabalhamos segregados, presos dentro da cadeia. Em 2024, tivemos 570 afastamentos psiquiátricos. Em 2025, já passamos de 600 licenças médicas e nove suicídios em dois anos. É uma tragédia silenciosa.”
O sindicalista também apontou a defasagem salarial e o desgaste social dos policiais penais. “Há 12 anos sem reajuste, muitos não conseguem mais sustentar o padrão de vida. A gestão precisa rever o modelo e garantir proteção e saúde mental aos trabalhadores.”
O deputado Jeferson Fernandes (PT), integrante da comissão e relator do projeto de lei que regulamenta a Polícia Penal no Estado, afirmou que os casos de humilhação e autoritarismo são recorrentes. “Há tentativas de institucionalizar um modelo de hierarquia similar ao militar, que suprime o direito de questionar e gera sufocamento psicológico. Não podemos permitir que a Polícia Penal reproduza práticas abusivas sob o pretexto de disciplina”, disse.
As denúncias foram encaminhadas ao governador Eduardo Leite (PSD), ao chefe da Casa Civil, Arthur Lemos, e à Secretaria de Sistemas Penal e Socioeducativo (SSPS). O caso também foi remetido ao Ministério Público do Trabalho (MPT) e ao Ministério Público Estadual (MP-RS) para investigação de abuso de poder e improbidade administrativa.
Contraponto
Em nota enviada à reportagem, a Polícia Penal informou que todas as denúncias recebidas são processadas pela Corregedoria-Geral do Sistema Penitenciário. O órgão ressaltou que sua atuação está fundamentada na legalidade e no respeito ao devido processo legal, observando o sigilo das informações, medida essencial para resguardar o andamento e os resultados das apurações. “Ao preservar o sigilo, a Corregedoria-Geral cumpre o papel que se espera de um órgão correcional, agindo com responsabilidade, imparcialidade e respeito às garantias fundamentais”, conclui a nota.
