O Departamento Científico de Transtornos do Neurodesenvolvimento da Sociedade Brasileira de Neurologia Infantil (SBNI) atualizou as Recomendações e Orientações para o Diagnóstico, Investigação e Abordagem Terapêutica do Transtorno do Espectro Autista (TEA).
O diagnóstico para o TEA, um transtorno do neurodesenvolvimento que se manifesta nos primeiros anos de vida, depende de avaliação clínica detalhada, já que não há marcadores biológicos específicos e outros quadros podem apresentar sintomas semelhantes. Nesse sentido, o material da SBNI busca padronizar condutas, orientar a prática médica e garantir avaliações multiprofissionais mais consistentes.
Entre os avanços, o documento define critérios para a investigação genética, especifica quando exames complementares são realmente indicados e apresenta recomendações sobre abordagens terapêuticas medicamentosas e não medicamentosas. Também inclui orientações sobre aspectos jurídicos relacionados ao diagnóstico e tratamento do TEA, abordando direitos garantidos por lei às pessoas com autismo e suas famílias.
Diagnóstico precoce
A docente da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e pesquisadora em cognição e aprendizagem Rita de Cássia Morem Cóssio Rodriguez avalia que o novo texto representa um avanço. “Principalmente nos critérios diagnósticos e nas práticas clínicas, considerando que não temos um marcador biológico para o TEA”. Para ela, a ausência desse marcador reforça a importância de avaliações bem conduzidas e multiprofissionais.
“O principal avanço está no foco no desenvolvimento global e na qualidade de vida da criança, pois isso envolve análises ampliadas, apoio às famílias e aos contextos em que essas crianças estão inseridas”, ressalta Rita de Cássia.
A neuropediatra Juliana Maia destaca que as diretrizes reforçam o que já vem sendo discutido na área: o diagnóstico precoce. “Quanto mais precoce, melhor para iniciar a intervenção e aproveitar o período de plasticidade neuronal”, explica. Ela cita como exemplo o uso do E-MChat, instrumento de rastreamento que agora está disponível na caderneta da criança e do adolescente, facilitando a triagem de sinais de alerta até os 24 meses de idade.
Juliana também chama atenção para um ponto ético abordado nas novas recomendações, como a definição da intensidade das terapias multidisciplinares que deve ser feita pelos terapeutas, não pelos médicos, embora, na prática, ainda sejam frequentemente pressionados pelos convênios a incluir essa informação nos laudos.
Áreas integradas
A neuropsicopedagoga Eliane Sá Britto Bitencourt, da Associação de Amigos, Mães e Pais de Autistas e Relacionados com Enfoque Holístico (Amparho), ressalta que as novas orientações fortalecem a base científica e a atuação integrada entre diferentes áreas. “O documento reforça o diagnóstico clínico e precoce, detalha o uso de exames complementares, destaca a investigação de comorbidades e alerta para práticas sem comprovação científica”, resume.
Entre as atualizações, Eliane cita a adoção da CID-11, que substitui a antiga classificação internacional (CID-10) e traz critérios diagnósticos mais claros. O texto também recomenda o uso de vídeos caseiros gravados pelos pais e relatórios de profissionais de outras áreas como ferramentas auxiliares na avaliação clínica. Outra novidade é o incentivo ao rastreamento precoce de autismo no Sistema Único de Saúde (SUS), para crianças entre 16 e 30 meses.
A presidente do Centro de Atendimento ao Autista em Pelotas, Débora Jacks, reforça que a escala M-CHAT já está disponível a bastante tempo, sendo indicada aos pediatras do SUS e que profissionais de outras áreas também podem utilizá-la. “O importante é que o atendimento às pessoas com TEA tenha um olhar intersetorial, onde a saúde, educação e assistência social sejam apoios para as famílias atípicas, proporcionando o atendimento em rede”, destaca.
As especialistas e presidentes das entidades destacam que o documento da SBNI lista 28 práticas baseadas em evidência, é praticamente um guia de segurança para as famílias atípicas. “É preciso atenção quando uma família recebe o diagnóstico, pois busca o atendimento sem saber por onde começar. Orientar a família, ter documentos, espaços que ajudem a encontrar o atendimento mais adequado às necessidades específicas apresentadas é fundamental”, cita Débora. Essa rede de apoio é norteada por três pilares: saúde, educação e assistência social.