Os casos de estelionato em Pelotas não param de crescer. Somente no nono mês do ano, esse tipo de crime já atingiu 75% do total registrado em 2024. Em relação a setembro, o acréscimo foi de 29,14%, saltando de 175 para 226 ocorrências. Situação inversa vive o município de Rio Grande, que contabilizou 29 registros no mês passado, contra 34 no mesmo período do ano anterior. Um dado que dimensiona a diferença entre as duas cidades é que o total de casos registrados em Pelotas no último mês corresponde a 62,25% da soma de todos os nove meses deste ano em Rio Grande.
Conforme os registros, as vítimas têm enfrentado diferentes tipos de golpes incluídos no artigo 171 do Código Penal Brasileiro, quando alguém obtém vantagem ilícita enganando outra pessoa mediante fraude. Por isso, o termo “171” tornou-se uma referência popular aos enganadores. A pena para esse crime é de reclusão de um a cinco anos, além de multa.
Entre os casos registrados na Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento (DPPA) está o de uma vítima que comprou concreto para sua obra, “negociando” pela internet com uma empresa que teria sede em Pelotas. Após efetuar o pagamento, o contratante percebeu que o beneficiário não era a empresa e decidiu ir até a loja física. Lá, descobriu que não havia nenhum pedido feito em seu nome.
Entre os golpes mais comuns estão os pedidos falsos de atualização de dados, clonagem de perfis de WhatsApp para se passar por parentes, falsos sequestros, pessoas se passando por advogados ou policiais que extorquem dinheiro e “representantes de empresas” conhecidas, que pedem depósitos em nome de campanhas ou promoções.
Em um desses casos, a golpista pediu patrocínio esportivo, alegando que seria destinado a ações de combate à violência contra a mulher, e chegou a enviar um contrato em nome da Secretaria de Esporte e Lazer da Federação Gaúcha de Futebol. Como a vítima se recusou a assinar, passou a ser ameaçada e registrou boletim de ocorrência. O prejuízo foi de mais de R$ 2 mil.
Para especialistas, em muitos casos a vítima cai no golpe pela expectativa de ganho fácil e rápido. Em outros, a ousadia dos criminosos é tamanha que impede qualquer percepção prévia da fraude.
A professora da Faculdade de Direito da UFPel e UCPel, Ana Cláudia Lucas, destaca que o aumento dos registros de estelionato, principalmente na modalidade virtual, precisa ser analisado com cautela. “Parte desse crescimento pode estar relacionada a uma maior conscientização da população, que passou a levar às instâncias formais as respectivas denúncias”, avalia.
Por outro lado, a professora observa que também é razoável pensar em uma ampliação real dessas práticas fraudulentas, impulsionadas pelo ambiente digital. “Há certa ganância de quem consome, a busca por um ‘negocinho fácil’ pela facilidade de circulação de informações, somada ao descontrole no armazenamento e vazamento de dados, o que cria terreno fértil para a ocorrência de fraudes”, comenta. O ordenamento jurídico brasileiro já dispõe de normas que permitem o enquadramento desses comportamentos, inclusive nas formas digitais, como o próprio estelionato eletrônico. “Portanto, não me parece que a ausência de legislação explique a dificuldade no combate a esses crimes”, comenta.
A alternativa mais promissora para reduzir as estatísticas, segundo Ana Cláudia, não passa apenas pela criação de novas leis, mas pelo fortalecimento das redes de proteção, aprimoramento das investigações, capacitação das polícias para atuar no ambiente digital, integração dos órgãos de segurança e investimento em prevenção e informação à população. “Precisamos letrar as pessoas digitalmente, educar nesse ambiente e garantir melhores condições de rastreabilidade das operações, com resposta rápida e efetiva das autoridades.”
Sobre os números
Em relação ao aumento de 29,14%, Ana Cláudia Lucas reforça que o crescimento dos dados pode refletir, em parte, uma elevação real no número de golpes, especialmente virtuais. “Mas também pode indicar que mais pessoas estão registrando as ocorrências, o que é positivo do ponto de vista da confiança nas instituições”, avalia.
Para a especialista, o desafio não é normativo, mas operacional. “Mais do que novas leis, o que o país precisa é de uma resposta integrada, que envolva tecnologia, investigação qualificada e informação à sociedade.”
Caiu no golpe. E agora?
O Código de Defesa do Consumidor (CDC) é uma ferramenta essencial de proteção nas relações de consumo, mas se aplica quando há uma relação entre consumidor e fornecedor, ou seja, quando alguém adquire um produto ou serviço de uma empresa ou profissional que atua de forma habitual no mercado.
Nos casos de estelionato ou fraude, quando há má-fé, falsificação de identidade ou engano intencional, a situação ultrapassa o campo do direito do consumidor e passa a configurar crime, sendo necessário o registro de boletim de ocorrência junto à Polícia Civil.
O Procon de Pelotas orienta e acolhe consumidores que enfrentam esse tipo de problema, principalmente quando o golpe envolve empresas ou plataformas digitais, como sites de compra e venda, bancos, aplicativos e meios de pagamento. “Nessas situações, o órgão pode intermediar o contato com o fornecedor legítimo, buscar o ressarcimento dos valores e verificar se houve falha de segurança ou descumprimento do dever de informação”, informa o órgão.
Alerta
O Procon reforça ainda a importância da atenção redobrada: desconfiar de ofertas muito vantajosas, confirmar a identidade de quem está vendendo ou prestando serviço e evitar realizar transferências sem certeza sobre o destinatário.