O Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou na semana passada o julgamento sobre o reconhecimento ou não de vínculo empregatício entre motoristas e entregadores e as plataformas digitais, como Uber e iFood. Porém, a reivindicação da maior parte da categoria de motoristas não é o vínculo, mas o aumento nos valores pagos pelas empresas por quilômetro rodado e por corrida. Em Pelotas, há aproximadamente sete mil motoristas de aplicativo.
Atualmente, os motoristas e entregadores de aplicativo são considerados autônomos. Se o STF reconhecer vínculo de emprego, esses profissionais passariam a ter todos os direitos e obrigações da CLT, como férias, FGTS, 13º salário, contribuição ao INSS e seguro-desemprego.
Um ponto levantado no debate é que a demanda por vínculo de trabalho é uma reivindicação de sindicatos que não representam a totalidade dos profissionais. “O sindicato que existe não nos representa. Ele foi criado sem que a gente sequer soubesse”, revela Rubilar Barbosa, motorista de aplicativo em Pelotas.
Segundo ele, a maioria dos trabalhadores do ramo não quer trabalhar sob o modelo tradicional da CLT, mas reivindica melhor remuneração, que está ligada à autonomia. “A liberdade de horários existe desde o início, mas como os ganhos estão baixos, acabamos virando meio que escravos do aplicativo para conseguir ganhar o suficiente”, relata.
Em um bom dia, as viagens podem render entre R$ 200 e R$ 300, descontando combustível e manutenção. Em corridas curtas (R$ 6,50), a empresa fica com cerca de R$ 0,80; já em corridas longas (R$ 30), o motorista recebe cerca de R$ 17. Os pagamentos são semanais, via conta bancária ou conta Uber, e em dinheiro a taxa é descontada posteriormente. A rotina diária começa por volta das 5h da manhã e segue até as 12h máximas permitidas pela plataforma.
A maior cobrança da categoria é direcionada às empresas para aumento do valor do quilômetro rodado. “O governo deveria se aproximar dos motoristas, fazer audiências públicas e ouvir quem está na rua. O que queremos é simples: aumento do valor por quilômetro e reconhecimento do trabalho”, declara Barbosa.
Infraestrutura urbana e segurança
Para os profissionais, outro ponto que poderia ter a colaboração do governo é a manutenção e melhora das condições das ruas. “A cidade tem muitos buracos, e nossos carros dão manutenção mais rápido. Isso estressa e desgasta muito”, afirma.
A segurança também preocupa, principalmente com o aumento de mulheres motoristas, que se organizam em grupos para compartilhar localização e se proteger de assaltos. “Teve uma onda de assaltos. Aí deu uma acalmada. Só que essa semana teve dois assaltos. E já ficamos todos em alerta, principalmente na parte da noite. Tem muitas mulheres dirigindo e acho que a maioria durante o dia”, explica ele.
Afinal, há vínculo empregatício ou não?
O professor de Direito do Trabalho da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Jairo Halpern, explica que o vínculo empregatício depende de quatro requisitos: pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e subordinação. Nos motoristas de aplicativo, os três primeiros pontos estão claros. O maior debate é a subordinação, que pode existir por meio da “subordinação algorítmica”: o algoritmo define preços, aplica punições, bloqueia profissionais e estabelece regras de desempenho.
Esse fenômeno pode impactar o mercado de trabalho em geral. Se a Justiça entender que o aplicativo funciona como “patrão digital”, existe vínculo. Caso os motoristas tenham liberdade real de horários e condições, não há vínculo nem aplicação da CLT.
Dessa forma, não haveria possibilidade de um “meio termo”, equilibrando direitos do regime e autonomia. “Sendo empregado, mantém-se o vínculo nos moldes da relação de emprego fundamentada na legislação trabalhista. Neste mesmo sentido, havendo o vínculo direto com o empregador, não hibridez, ou seja, ou é empregado ou não é”, completa.