O Projeto de Lei (PL) 4/2025 prevê uma ampla revisão no Código Civil, que não era atualizado há mais de duas décadas. O projeto foi apresentado pelo senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e uma Comissão Temporária para Atualização do Código Civil foi instalada pelo Senado na última semana. Com 272 páginas, o texto atualiza questões diversas, envolvendo os direitos e deveres das pessoas, de famílias, de sucessão e até no meio digital.
O Código Civil reúne normas que regulam a vida em sociedade no âmbito das relações privadas. O primeiro documento brasileiro foi criado em 1916, inspirado no direito europeu, e substituído pelo atual, aprovado em 2002.
Direto de família
Para a advogada Ana Barcellos, o ponto central é a desjudicialização. Divórcios e dissoluções de união estável com filhos menores e o reconhecimento da paternidade poderão ser resolvidos em cartório. “Isso desafoga o Judiciário e agiliza as demandas”, avalia.
O novo Código amplia o conceito de família. Ele prevê a relação conjugal e a parental (como mãe e filho) e substitui termos como “entidade familiar” por “família”, “companheiro” por “convivente” e “poder familiar” por “autoridade parental”. Também reconhece a socioafetividade, a multiparentalidade e legitima a união homoafetiva. Além dessas medidas, há também:
- Registro de nascimento: a mãe pode indicar o pai, chamado a confirmar a paternidade. Se negar, haverá exame de DNA.
- Alimentos gravídicos: pensão devida durante a gestação.
- Reprodução assistida: proibida para criar humanos geneticamente modificados, escolher sexo ou raça e para fins comerciais. Barriga de aluguel é vedada, mas a solidária é permitida em casos médicos. Não há vínculo entre doador de gametas e a criança gerada.
Direito sucessório, bens e herança
As mudanças nesta área são vistas como “preocupantes” por Ana. O projeto retira os cônjuges da ordem de herança, que passa a ser apenas de descendentes (filhos, netos) e ascendentes (pais, avós). “Isso pode ser um retrocesso, especialmente para mulheres em dependência econômica. Talvez retirá-las como herdeiras traga um reflexo de desproteção”, alerta. Outros pontos significativos estão listados abaixo:
- Doações a amantes: podem ser anuladas pelo cônjuge ou herdeiros em até dois anos após o fim do casamento.
- Usucapião: pode ser requerida sem processo judicial.
- Propriedade rural: só pode ser reconhecida uma vez, para combater grilagem.
- Posse urbana: imóvel até 250 m² ocupado por cinco anos pode ser adquirido. Quem dividir imóvel com ex-cônjuge ausente por dois anos também pode obter a propriedade integral.
Direito condominial
Esta esfera terá cerca de 39 alterações e acréscimos com a reforma. Para a advogada Bianca Mortágua, essas mudanças são bastante significativas e positivas, visto o aumento da população que vive em condomínios. Entre as questões mais importantes, ela destaca:
- Multa por inadimplência: pode ser progressiva, até cinco vezes a cota, chegando a dez em caso de reiteração. Para Bianca, é preciso definir melhor o conceito de “contumácia” para diferenciar inadimplência eventual da crônica.
- Regulamentação de locação por temporada (Airbnb, Booking, etc.): traz mais segurança tanto para quem deseja alugar quanto para condôminos que preferem um ambiente mais estável.
- Expulsão de condômino antissocial: previsão de procedimento mais claro para exclusão, mediante deliberação em assembleia. No entanto, é preciso deixar claro que se trata de condôminos que descumprem reiteradamente normas, não de meras diferenças de convivência.
- Ampliação das funções do síndico: Funções do síndico: convenções poderão ampliar suas atribuições, desde que respeitada a deliberação coletiva.
- Quóruns mais flexíveis: convenções poderão prever quórum menor para mudar regimento interno. Em votações importantes, passa a contar a proporção de presentes, não a totalidade, solução para grandes condomínios.
Direito digital
A reforma do Código cria também o direito digital, estabelecendo direitos e proteção às pessoas no ambiente virtual. O documento garante a remoção de links em mecanismos de buscas de conteúdos que tragam imagens pessoais íntimas, pornografia falsa, e crianças e adolescentes; e cria possibilidade de indenizações por danos sofridos em ambiente virtual. Além disso, as plataformas digitais passam a responder civilmente pelo vazamento de dados e devem adotar mecanismos para verificar a idade do usuário.
- Patrimônio digital (redes sociais, criptomoedas, games, fotos, milhas): pode ser herdado e incluído em testamento.
- Identidade digital e assinatura eletrônica: passam a ter reconhecimento oficial.
- Inteligência artificial: uso de imagem de pessoas vivas ou mortas exige identificação e autorização.
De acordo com o presidente da OAB Pelotas, Victor Gastaud, as principais críticas a este aspecto da reforma dizem respeito ao risco de sobreposição com leis já existentes, como a LGPD e o Marco Civil da Internet, além do perigo do Código Civil ficar rapidamente obsoleto diante da velocidade das inovações tecnológicas. Ele explica que também se questiona a viabilidade de algumas exigências técnicas para smart contracts e a extensão da responsabilidade das plataformas digitais, pontos que podem gerar insegurança ou entraves à inovação.
Ainda, há alguns outros pontos importantes que devem sofrer alterações. Veja:
Direito das pessoas
Doação de órgãos: dispensa autorização familiar se o falecido tiver manifestado consentimento escrito.
Diretivas antecipadas: garante que a pessoa indique os tratamentos que deseja ou não realizar se ficar incapaz.
Direito dos Animais
- considera os animais seres capazes de ter sensações e emoções e com proteção jurídica própria.
- prevê reparação por maus-tratos e indenização por danos morais relacionados a animais de estimação.
- a guarda e as despesas de manutenção de animais de estimação podem ser compartilhadas entre ex-cônjuges.
Dívidas e prescrição
- Penhora de único bem: proíbe penhora de imóvel do devedor e sua família se for o único bem que possuírem. Moradia de alto padrão pode ser penhorada em 50%.
- Prescrição do direito: reduz de dez para cinco anos o prazo geral de prescrição (limite de tempo em que se pode pedir na Justiça o cumprimento de um direito).
- Juros: contratos não podem prever taxas de juros por inadimplência maiores que 2% ao mês.
Empresas
Liberdade contratual: reforça a ideia de liberdade contratual, principalmente nas contratações em que as partes estejam em igualdades de condições.
Empresa estrangeira: exige que sociedades estrangeiras tenham sede e representante no Brasil para atuar no país.
