Gestos que salvam vidas

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Gestos que salvam vidas

Trabalho realizado no HUSFP garante esperança para quem espera por um órgão

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Gestos que salvam vidas
No dia nacional de conscientização sobre a doação de órgãos, o exemplo de quem se dedica ao tema (Foto: Divulgação)

Neste sábado, 27 de setembro, o Brasil celebra o Dia Nacional da Doação de Órgãos e Tecidos, instituído pela Lei 11.584/2007 para estimular a conscientização da população e o diálogo familiar sobre o tema. A data é um convite para refletir sobre a importância desse gesto solidário que pode salvar muitas vidas, como a da Jane Oliveira Lourenço Martins, 40, que acaba de receber um rim em Pelotas.

Na cidade, a mobilização ganha ainda mais sentido diante do trabalho realizado pelo Hospital Universitário São Francisco de Paula (HU-UCPel), que conta com a Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante (CIHDOTT) e uma equipe atua 24 horas por dia, sete dias por semana, no acompanhamento de potenciais doadores, apoio às famílias e organização logística necessária para que a captação e o transplante sejam viabilizados.

O caminho até a doação

Segundo o nefrologista e coordenador da comissão, Matheus Neumann Pinto, o processo começa quando um paciente internado em UTI tem aberto o protocolo de morte encefálica, condição que precisa ser confirmada por dois médicos especialistas, exames clínicos e um teste confirmatório de imagem. A partir daí, são avaliadas as condições clínicas e laboratoriais do possível doador.

Confirmada a morte encefálica, inicia-se a etapa considerada mais delicada: a entrevista com a família. “Ainda enfrentamos uma taxa de 40% a 45% de negativas. A maioria ocorre porque em vida o paciente não conversou com os familiares sobre o desejo de ser doador”, explica o médico. A autorização da família é indispensável, mesmo que o doador tenha manifestado a intenção.

Gesto de amor

Uma vez confirmado o consentimento, os órgãos são disponibilizados na lista única estadual, que é integrada nacionalmente e organizada conforme critérios de compatibilidade clínica, genética e sanguínea. “Não existe direcionamento local, do tipo ‘doar para alguém da cidade’. O órgão é alocado para o receptor mais compatível, o que garante que não haja rejeição imediata”, reforça Neumann.

Uma corrida contra o tempo

Equipes do CIHDOTT e da Central Estadual de Transplantes (Foto: Divulgação)

Cada órgão tem um tempo de viabilidade fora do corpo, chamado de isquemia fria. O coração e o fígado são os mais urgentes: precisam ser transplantados em poucas horas após a retirada. Já os rins podem ser viáveis por até 48 horas, embora quanto antes o transplante acontecer, maiores as chances de sucesso.

Essa urgência exige logística afinada. Como Pelotas não possui equipe própria de captação cirúrgica, os profissionais deslocam-se da Central Estadual de Transplantes, em Porto Alegre, geralmente por transporte aéreo. Após a retirada, os órgãos retornam para a central e são encaminhados aos receptores selecionados.

“É literalmente uma corrida contra o tempo. O receptor precisa estar disponível, de sobreaviso. Muitas vezes o telefone toca de madrugada e o paciente precisa vir imediatamente ao hospital para novos exames e início do protocolo”, descreve o nefrologista.

Transplantes renais no HU

Desde 2011, o HUSFP realiza transplantes renais em parceria com a Central Estadual de Transplantes. Foram 42 cirurgias desse tipo já efetivadas. O serviço de nefrologia é referência na região e mantém equipe de sobreaviso composta por médicos e profissionais de saúde. “É sempre uma mistura de ansiedade e esperança. Quando recebemos a notícia de um órgão compatível, sabemos que pode ser a chance de transformar a vida de um paciente que espera há anos por esse momento”, afirma Neumann.

A espera de Jane

Diagnosticada com insuficiência renal, passou quase um ano em hemodiálise (Foto: Jô Folha)

A pelotense Jane Oliveira Lourenço Martins, de 40 anos, sabe bem o que significa essa espera. Diagnosticada com insuficiência renal, passou quase um ano em hemodiálise, rotina que descreve como extremamente desgastante. “Eu passava mal, tinha dores de cabeça terríveis, cansaço e desânimo. Cheguei a ser internada na UTI em estado grave”, recorda.

Tudo mudou em setembro, quando recebeu a notícia de que havia um rim disponível e compatível. “Eu estava no meio da diálise quando soube. Fiquei muito nervosa, mas também feliz. Pensei que a minha vida ia melhorar. Foi como ganhar um presente de aniversário, por ser o mês em que comemoro a data”, conta emocionada.

O transplante ainda não trouxe de volta atividades simples. Mas para Jane, a primeira urina após a cirurgia representa uma vitória. Sem precisar depender mais da máquina, ela planeja retomar a rotina com a família. “A primeira coisa que quero é ser feliz e voltar à vida normal”, diz.

A mãe de Jane, Erli Oliveira Lourenço, 71 anos, lembra do período de incertezas e sofrimento. “Ela passava muito mal, vomitava, tinha pressão alta. Teve um momento que achamos que íamos perdê-la. Quando veio a notícia do transplante foi uma surpresa enorme, tudo aconteceu muito rápido. Foi um milagre”, afirma.

Avanços e desafios

O Brasil registrou em 2024 mais de 30 mil transplantes, recorde histórico, sendo seis mil renais. Apesar do avanço, ainda há cerca de 78 mil pessoas na fila de espera, das quais 42 mil aguardam por um rim. No Rio Grande do Sul, são 1.496 pessoas à espera de rim, 1.165 de córnea e 177 de fígado, conforme dados da Central Estadual de Transplantes.

Entre os desafios, além da logística e do financiamento, a conscientização permanece como o maior obstáculo. “Setembro Verde reforça a necessidade do diálogo. Se a família não souber do desejo do paciente, dificilmente autorizará a doação. Uma única decisão pode salvar até oito vidas”, resume o nefrologista.

TRANSPLANTES NO BRASIL E NO RS

PRÓXIMOS PASSOS

  • Revisão do regulamento técnico do Sistema Nacional de Transplantes
  • Reduzir negativas familiares e ampliar doações
  • Novo Programa de Qualidade em Doação para Transplante: capacitação, monitoramento e financiamento das equipes, com foco em entrevistas familiares
  • Parceria com a Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) para formação de profissionais

MAIS DE QUATRO MIL DOADORES EFETIVOS (2024)

  • 55% das famílias autorizam doações

78 mil pessoas aguardam por transplante no Brasil

Demandas principais:

  • Rim: 42.838
  • Córnea: 32.349
  • Fígado: 2.387

Evolução de doadores efetivos:

  • 2024 – 4.086
  • 2023 – 4.129
  • 2022 – 3.522
  • 2021 – 3.205
  • 2020 – 3.329
  • 2019 – 3.767

Sistema Único de Saúde (SUS):

  • 85% dos transplantes realizados pelo SUS
  • 1.357 serviços autorizados
  • R$ 1,47 bilhão destinados a exames e transplantes em 2024 (28% a mais que em 2022)

Rio Grande do Sul – Lista de Espera (09/09/2025):

  • Rim: 1.496
  • Fígado: 177
  • Coração: 15
  • Pulmão: 85
  • Córnea: 1.165

Converse com sua família um doador pode salvar até oito vidas.

ADOTE

Em Pelotas, a Aliança Brasileira pela Doação de Órgãos e Tecidos (Adote) é uma organização sem fins lucrativos e não governamental que busca conscientizar e informar a população sobre a importância da doação de órgãos e tecidos. Também se dedica a divulgar informações sobre o processo doação-transplante de órgãos através de diversas ferramentas, como campanhas de esclarecimento público, artigos para veículos de comunicação, livros, materiais gráficos como folhetos e adesivos, palestras e mesas redondas, além de participar em fóruns de políticas públicas. Saiba mais clicando aqui.

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