Mais de 1,3 mil pescadores artesanais, que exercem suas atividades na Lagoa dos Patos, estão desde junho sem conseguir ter acesso ao seguro-defeso, benefício que é direito da categoria durante o período em que estão impedidos de pescar. Duas instruções normativas do governo federal apresentam entraves ao recebimento dos valores. Sem expectativas de resolução e sem um retorno dos órgãos responsáveis, os trabalhadores podem encerrar o período do defeso, em outubro, sem terem acesso ao dinheiro.
A Medida Provisória nº 1.303 e o Decreto nº 12.527, ambos de junho de 2025, apresentaram reformulações para a forma como o seguro-defeso é cadastrado e repassado aos pescadores. O valor do benefício é equivalente a um salário mínimo (R$ 1.518) e é pago pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) de junho a outubro (sendo este último o mês de retomada das atividades, com pagamento referente a setembro), que é o período de reprodução das espécies.
O presidente da Colônia de Pescadores Z-1, de Rio Grande, Nilton Machado, destaca que dos 900 trabalhadores da cidade, 300 ainda não tiveram acesso ao benefício e outros 600 conseguiram, pois enviaram suas documentações antes da publicação da Medida Provisória, no dia 11 de junho. “Todos os outros requerimentos ficaram em análise e não temos nenhum retorno. Tivemos reuniões com o INSS, eles não têm como alterar, teria que passar por uma votação na Câmara dos Deputados”, afirma.
Entraves
A partir da publicação do Decreto nº 12.527, em 24 de junho deste ano, o governo federal alterou as regras para a concessão do seguro-defeso. A medida atualiza decretos anteriores, de 2015, sob a justificativa de coibir fraudes e garantir que o benefício chegue a quem realmente precisa.
Entre as principais mudanças, estão a homologação dos cadastros por parte das prefeituras e não mais do Ministério da Pesca, a exigência de comprovação do exercício ininterrupto da atividade pesqueira e a atualização cadastral no Registro Geral da Atividade Pesqueira (RGP).
A Medida Provisória nº 1.303, que prevê a taxação de fundos hoje isentos (conhecida como MP do IOF), também impõe restrições ao acesso ao seguro-defeso. Entre os argumentos dos representantes da categoria para as medidas está o risco das novas exigências serem uma ameaça à subsistência de milhares de trabalhadores e à autonomia das organizações que os representam.
A principal preocupação recai sobre o artigo da MP que transfere aos municípios a responsabilidade de emitir o registro de pescador artesanal profissional, situação que pode estar ocasionando a demora na transferência dos valores aos trabalhadores. Outro ponto sensível é a limitação do seguro-defeso ao montante aprovado na Lei Orçamentária Anual. Isso significa que, mesmo cumprindo todos os critérios, pescadores poderão ter o benefício negado por falta de recursos.
Auxílio
Em Pelotas, são cerca de 1.070 pescadores artesanais sem receber o seguro-defeso desde junho. Por não terem qualquer retorno do INSS, a categoria vem mobilizando-se em protestos pelo pagamento do benefício. Na última terça-feira (2), trabalhadores da Colônia Z-3, Pontal da Barra e outras localidades estiveram no Paço Municipal, cobrando soluções do poder público, principalmente relacionadas ao recebimento de cestas básicas e adiamento de contas básicas, promessas que haviam sido feitas anteriormente pelo prefeito Fernando Marroni (PT).
Como efeito disso, a prefeitura anunciou na quarta-feira (3) que cestas básicas serão doadas aos pescadores através da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), com expectativa de que a entrega seja realizada ainda nesta semana.
Além disso, o executivo pelotense conseguiu o adiamento do prazo para pagamento das contas de água destes trabalhadores e articula, junto à CEEE Equatorial, a concessão do mesmo benefício nas contas de luz.
Rio Grande
Os cerca de 900 pescadores artesanais de Rio Grande enfrentam as mesmas dificuldades que os demais trabalhadores da Lagoa dos Patos. No entanto, como o abastecimento de água e energia elétrica é realizado na cidade por empresas desvinculadas à prefeitura — Corsan e CEEE — o pedido de adiamento das contas encontra entraves burocráticos maiores.
O presidente da Colônia Z-1 defende que precisa haver agilidade no pagamento do seguro-defeso aos pescadores artesanais, uma vez que é a única fonte de renda das famílias. “Os pescadores estão sofrendo, entendemos como um desrespeito a nossa categoria”, diz Nilton.
Uma audiência pública foi realizada na tarde de ontem, na Câmara de Vereadores de Rio Grande, para tratar do seguro-defeso e do impacto da medida provisória, com o objetivo de mobilizar os parlamentares em prol da causa pesqueira, atividade econômica que é muito importante historicamente para o município.
A prefeitura, através da Secretaria Municipal da Pesca e Aquicultura, encaminhou ao legislativo um projeto de lei que prevê a isenção da Taxa de Licenciamento Ambiental (TLA) para pescadores artesanais de baixa renda. Segundo o executivo, a proposta tem como objetivo facilitar a regularização dos trapiches comunitários e coletivos construídos por pescadores, garantindo que essas estruturas possam ser licenciadas, sem comprometer ainda mais a renda das famílias.