A prisão do influenciador Hytalo Santos, investigado por tráfico humano e exploração sexual de menores, traz à tona o debate sobre a adultização infantil. O fato, que vem repercutindo nacionalmente, está sendo analisado pela Justiça de Pelotas e por especialistas da saúde, que veem no caso um marco na discussão sobre a proteção da infância no ambiente digital.
Em entrevista ao programa Debate Regional, na Rádio Pelotense, o psicanalista Eduardo Brod Méndez comparou a atual situação das crianças na internet a uma “guerra”, onde os pais precisam ser o filtro que protege os filhos. Ele interpreta a adultização como um reflexo direto do consumismo e da mercantilização da infância, impulsionados por interesses financeiros das plataformas digitais: “O que tem sempre por trás de uma guerra? Um interesse financeiro. A gente está vendo isso de uma maneira muito mais escrachada no mundo hoje em dia”.
Méndez aponta para as consequências psicológicas da exposição. Ele cita estudos internacionais que mostram que o uso excessivo de redes sociais por adolescentes duplica o risco de transtornos mentais, como ansiedade e depressão. A pressão estética também é um fator crítico, com “uma a cada três adolescentes se sente pior em relação à sua imagem corporal quando tem o uso de redes sociais”, explica.
Questão legal
Para o juiz Dr. Ricardo Arteche Hamilton, do Juizado Regional da Infância e Juventude de Pelotas, o debate sobre a adultização chegou “atrasado”. Ele afirma que, embora a prisão de um grande influenciador seja um fato relevante, a exploração de menores é uma realidade que já vinha sendo investigada na região.
“Nós temos casos de muitos influenciadores. A gente já consegue a adoção para mais de dez casos nesse período, desde o momento em que se conseguiu. A gente tem mecanismos para investigar a origem de todo o cometimento de crime”, destaca o juíz.
A prisão preventiva de Hytalo Santos, segundo o juiz, tem como objetivo interromper a atuação criminosa. Ele esclarece que a medida busca “retirar o indivíduo da sua área de atuação” para evitar a repetição de crimes de exposição de crianças. Além disso, ressalta a vulnerabilidade dos menores e o perigo de criminosos que atuam “de forma anacrônica”, se aproveitando da ingenuidade e da falta de supervisão.
E a solução?
Ambos os especialistas convergem sobre a necessidade de ações em três frentes: família, escola e legislação. O magistrado afirma que a responsabilidade primária é dos pais, mas reconhece que muitas famílias estão desestruturadas e, sem saber, acabam expondo os filhos. Ele alerta que a solução passa por “conversar, por educar” e não por entregar a responsabilidade à internet. O juiz defende que a educação digital deve ser “quase como mais uma matéria” no currículo, ensinando as crianças a se protegerem e a entenderem os riscos do ambiente online.
Brod Méndez cita a Austrália como exemplo, que regulamentou o uso das redes sociais por menores de 16 anos. O juiz de Pelotas concorda que a regulamentação não é censura, mas uma forma de o Estado proteger o cidadão em formação. Ele defende que “qualquer direito tem limites”.
Na política, mais repercussão
A prisão de Hytalo Santos e a mobilização social trouxeram a adultização infantil de forma contundente para o centro da agenda política nacional. O Congresso Nacional, que já discute há anos a regulamentação das redes sociais, se viu pressionado a dar uma resposta mais rápida ao problema.
O PL 2628/22, já aprovada no Senado e em tramitação na Câmara, é o projeto mais avançado que trata da proteção de crianças e adolescentes na internet. A proposta prevê ações como a criação de mecanismos de controle parental, a proteção de dados e filtros de conteúdo, além de responsabilizar as plataformas por conteúdos inadequados. A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e a comunidade civil têm pressionado pela urgência na votação deste e de outros projetos.
Impasse
Contudo, a discussão não é consensual e esbarra em um ponto de forte polarização: o alegado risco de censura. De um lado, há uma corrente política que defende a regulamentação como uma forma de o Estado proteger os cidadãos mais vulneráveis do poder econômico das big techs. Essa perspectiva sustenta que a liberdade de expressão não é absoluta e deve ter limites, especialmente quando coloca em risco a integridade física e mental de crianças.
“Essa questão de manifestação, de liberdade de expressão, ela precisa de qualquer direito de limites. Eu entendo que, assim como a gente proibiu a publicação de propaganda de cigarro, o Estado necessariamente precisa de um sistema de controle social”, defende o juiz Ricardo Hamilton.
Do outro lado, o principal argumento é que a regulamentação pode se tornar uma ferramenta para a censura e para a restrição da liberdade de expressão. “Vamos avaliar o texto. Se tiver qualquer sinal de ‘censura’, não vamos apoiar”, disse o líder do PL no Congresso, Sóstenes Cavalcante.
O debate em torno do Projeto de Lei das Fake News (PL 2630/20), por exemplo, já mostrou essa divisão, com críticas sobre quem teria o poder de decidir o que é verdade ou mentira na internet.