A presença de Mariangela Hungria, laureada com o prestigiado World Food Prize, em Pelotas para o 13º Congresso do Arroz Irrigado, que vai até hoje, foi um marco para a ciência e o agronegócio local. A pesquisadora da Embrapa, que fez de Londrina (PR) sua casa profissional, trouxe à tona discussões sobre resiliência, liderança feminina e o futuro da agricultura.
Em entrevista ao programa Debate Regional, na Rádio Pelotense, Mariangela compartilhou sua trajetória, marcada por desafios desde a infância, em uma época em que ser uma mulher em destaque era incomum. “Eu era criança, e queria ser cientista, numa época em que as meninas eram educadas para não serem nada de destaque”, lembra, citando sua avó como a principal inspiração para seguir o que amava. Sua persistência a levou à agronomia, um ambiente predominantemente masculino e, segundo ela, machista. Ela enfrentou o ceticismo ao defender o uso de biológicos em vez de químicos, sendo frequentemente alertada de que “jogaria sua vida fora”.
Contrariando os céticos, seu trabalho com a fixação biológica de nitrogênio se tornou uma revolução silenciosa. Essa tecnologia, que usa bactérias para fornecer nitrogênio às plantas de forma natural, é hoje responsável por 100% do nitrogênio da soja no Brasil. Uma inovação que, somente na última safra, gerou uma economia de 25 bilhões de dólares em fertilizantes, além de evitar a emissão de 250 milhões de toneladas de gases de efeito estufa.
Mariangela Hungria destaca que o futuro da pesquisa e da agricultura é “feminino”. Ela explica que isso não significa apenas a presença de mulheres, mas a valorização de qualidades como o diálogo, a colaboração e a escuta. “A pesquisa do futuro é feminina porque a gente tem que dialogar muito, a gente tem que discutir as coisas juntos, a gente tem que trabalhar em conjunto, a gente tem que saber ouvir”, afirma. Essa visão se estende ao campo, onde ela observa que as mulheres demonstram mais preocupação com a saúde do solo, a qualidade dos alimentos e o legado para as futuras gerações.
Ela defende que o papel da mulher na cadeia alimentar é fundamental, mas “invisível”. Da horta comunitária e familiar, passando pelas merendeiras escolares até as cientistas e pesquisadoras, as mulheres são a força motriz para a segurança alimentar. “Precisamos ver com maior valor esse papel da mulher”, ressaltou.
E o futuro da ciência?
Questionada sobre a valorização da ciência nacional, Mariangela se emociona ao contar que o reconhecimento do prêmio veio de todos os setores da sociedade, de grandes exportadores a movimentos sociais. Para ela, isso mostra que há um ponto de união na agricultura brasileira: a busca pela sustentabilidade. Ela acredita que essa pauta, que inclui a saúde do solo e as mudanças climáticas, une todos os produtores, independentemente do tamanho de suas propriedades.
A cientista, que trabalha atualmente na recuperação de pastagens degradadas com biológicos, demonstra uma inquietude incessante. Seu novo projeto visa aumentar a produção de forragem, o que permitiria liberar mais de 80 milhões de hectares de terra para outros usos, sem a necessidade de derrubar uma única árvore.
Seu maior sonho, porém, transcende a ciência: “É ver que realmente a gente produz para dois bilhões que seja, mas que não tenha um brasileiro passando fome.” Ela lembrou que, apesar de o Brasil ser um dos maiores produtores de alimentos do mundo, ainda há milhões de pessoas com insegurança alimentar. Esse paradoxo, segundo ela, não se resolve apenas com mais produção, mas com políticas públicas e comunicação eficaz.