Apontada como “pré-condição” para que o Brasil receba uma proposta de compra de 90% das ações de uma eventual Sociedade Anônima do Futebol (SAF), a solicitação de recuperação judicial (RJ) deve ser feita em breve por parte da direção do clube. A Executiva do Xavante precisa elaborar um plano de renegociação de dívidas e apresentá-lo à Justiça. Posteriormente, os credores vão avaliá-lo.
Quem explica o andamento desse tipo de processo é o advogado Nikolas Bottós. O especialista no assunto concedeu entrevista ontem ao programa Atualidades Esportivas, da Rádio Pelotense 99,5 FM. A solicitação da RJ consiste na apresentação de documentos formais, como prestação de contas, balancetes e certidões, por exemplo, mas não há análise de mérito. Também é necessário indicar uma lista de credores.
Bottós aponta que, ocorrendo o deferimento do pedido da recuperação judicial, três atos vêm na sequência, imediatamente:
1. o juiz designa um administrador judicial;
2. o administrador judicial abre um edital para os credores se habilitarem;
3. começa o chamado “stay period”, período de 180 dias em que as dívidas do clube ficam suspensas. Neste caso, detalha o advogado, todos os processos judiciais podem seguir tramitando, mas não pode haver mais nenhum tipo de pagamento ou execução, ou uma penhora de bem, por exemplo, durante o período.

“Até hoje, todas as recuperações judiciais de clubes que foram propostas tiveram seus planos de recuperação aprovados”, afirma o advogado Nikolas Bottós (Foto: Arquivo pessoal)
O que vem depois do deferimento?
A legislação brasileira tem duas normas referentes ao assunto. A primeira é a 11.101, de 2005, sobre recuperação judicial; a mais recente é a chamada Lei da SAF (14.193), de 2021. O clube precisa apresentar o plano de recuperação em até 60 dias depois do eventual deferimento do pedido de RJ. Neste documento, a instituição detalha o formato do pagamento dos débitos – no Xavante, o valor está na casa dos R$ 48 milhões.
O prazo de 60 dias pode ser alongado pela Justiça por diferentes razões, inclusive a pedido dos credores. Uma vez entregue o plano de recuperação, a proposta é encaminhada a uma assembleia de credores. Esse evento, conforme a legislação, deve ocorrer até 150 dias após o deferimento da RJ – prazo que também é passível de prorrogação.
Na assembleia, então, os credores apreciam o plano. Toda a negociação se dá com intermediação do administrador judicial designado pelo juiz. Trata-se de um profissional remunerado com base no valor total da recuperação judicial – em média, de 1% a 2% do total da RJ. As principais atribuições dele são acompanhar o andamento do processo, a gestão da recuperanda (o clube, no caso) e vistoriar o cumprimento do plano eventualmente aprovado.
E se o plano for reprovado?
“Havendo uma reprovação do plano, os próprios credores podem apresentar um outro plano. E, dependendo, inclusive da boa vontade de todos, a própria recuperanda pode apresentar outro plano, embora a lei não traga essa previsão. Há possibilidade, se a reprovação for por um motivo muito específico, de se abrir um prazo para fazer uma correção. Em caso de reprovação, há possibilidade de aprovação de um novo plano. Não aprovando novamente, aí sim abre-se processo de falência”, diz o especialista.
No plano de recuperação, os credores são divididos em níveis de qualificação – credor trabalhista, credor quirografário, credor real etc., por exemplo. Dentro desses níveis, existem subníveis. “Você trabalha em níveis de negociação diferentes de acordo com o tamanho da dívida. Tem que atingir 50% mais um de cada nível para poder aprovar o plano de recuperação”, explica Bottós.
A possibilidade de falência existe: acontece em caso de duas reprovações. Entretanto, o advogado trata essa hipótese como improvável. “Até hoje em clube de futebol eu não vi nenhum plano não ser aprovado. Há um trabalho sempre pretérito dos clubes de já buscar esse apoio antes da assembleia. Eles acabam procurando os credores, fazendo uma conversa prévia. […] Até hoje, todas as recuperações judiciais de clubes que foram propostas tiveram seus planos de recuperação aprovados”, afirma.
Deságio
Vários clubes brasileiros já entraram em recuperação judicial, sempre com deságio – termo que se refere à diminuição do valor total de uma dívida para que ela possa ser paga – para alguns tipos de credores. Em maio, o Vasco apresentou plano com deságio de 92% para credores não trabalhistas que não aderiram ao processo de mediação, por exemplo.
Em 2023, o Santa Cruz (PE) elaborou um plano com deságio de 90%. No mesmo ano, o Sport Recife apresentou proposta com deságio de 80%. Sem citar exemplos, Bottós avalia esse cenário. “Tem excessos, não podemos negar. Situações em que há um deságio, na minha opinião, exagerado. Isso acaba prejudicando o credor e acaba sendo ruim para o futebol em geral, mas [a RJ] é uma ferramenta extremamente válida”, diz.