A defensora pública estadual, Eleonora Mascarenhas Caldeira, criticou a proposta de alteração da Lei Municipal 6.638/2018, discutida recentemente por empresários e vereadores em Pelotas. Em entrevista ao programa Debate Regional, da Rádio Pelotense, ela diz que a norma, em vigor desde 2018, proíbe a retirada de pertences de pessoas em situação de rua, como colchões e cobertores.
Ela destaca que o papel da Defensoria é justamente garantir os direitos das populações mais vulneráveis – e que esse compromisso se mantém inegociável. “A Defensoria Pública está sempre do lado das pessoas vulneráveis, daquelas que não têm condições de defender os seus direitos. É para isso que ela existe”, diz.
A defensora conta ter se sentido compelida a se posicionar publicamente após saber da reunião ocorrida entre lideranças empresariais e vereadores, que discutiu ações para revitalização do centro da cidade para deixá-lo mais atrativo. Na ocasião, um dos tópicos levantados foi a possibilidade de alteração da lei municipal para permitir a retirada de colchões, cobertores e outros objetos usados por pessoas em situação de rua.
Liminar do STF impede alteração da lei
Eleonora sustenta que, juridicamente, ela fere dispositivos constitucionais e contraria uma liminar do Supremo Tribunal Federal (STF), concedida em junho de 2024, no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 976.
A decisão, proferida pelo ministro Alexandre de Moraes, proíbe remoções forçadas e o recolhimento de bens de pessoas em situação de rua, com efeito vinculante para todos os entes federativos. “Mesmo que a Câmara de Vereadores de Pelotas alterasse a lei hoje, não teria validade. A decisão do STF se sobrepõe”, destaca.
Cenário atual e deveres
Pelotas tem cerca de 700 pessoas em situação de rua, embora nem todas durmam nas ruas todas as noites. A cidade conta atualmente com um Centro Pop e uma Casa de Passagem, ambos localizados no antigo lar São Vicente de Paulo. A defensora elogia a estrutura, mas destacou sua limitação, principalmente pela localização centralizada.
Ela reforça que, mesmo quando a pessoa em situação de rua se recusa a ir para abrigos, o poder público deve proteger sua vida com ações emergenciais. “Se a pessoa opta por ficar na rua, o Estado deve fornecer cobertores, colchões e até barracas. O dever é proteger a vida.”
Eleonora sugere que empresários também podem colaborar, oferecendo oportunidades de trabalho, formação profissional e apoio na documentação das pessoas em situação de rua. “Podemos elaborar coisas conjuntas nesse sentido”.
Defensoria em Pelotas
Segundo a defensora pública, a Defensoria em Pelotas enfrenta dificuldades estruturais. A instituição funciona em prédio alugado, sem sede própria, com apenas 14 defensores para atender a maioria da população (pessoas com renda de até três salários mínimos). Em 2023, foi solicitado à prefeitura um terreno para construção da sede, mas não houve retorno. Eleonora pretende retomar a negociação com a nova gestão municipal.
A Defensoria atende casos nas áreas de saúde, família, infância, criminal, consumidor e execução penal. A atual sede está localizada na Avenida Ferreira Viana, 1.499, e funciona das 12h às 18h. Casos urgentes são recebidos a qualquer momento, e o número 129 está disponível para atendimento gratuito.